Nicholas Shores e Teo Cury, Estadão
Ninguém pode dizer que Louise Plouffe não coloca as próprias ideias em prática. Depois de dirigir a área de pesquisas do Centro Internacional de Longevidade (ILC) no Canadá e prestar consultoria à Organização Mundial da Saúde (OMS), a canadense está aposentada, mas não parada. Além de continuar no ILC como pesquisadora associada, Louise também preside o Comitê Ottawa Cidade Amiga do Idoso. Ela vive, portanto, de acordo com as próprias diretrizes, de que o envelhecimento saudável passa por atos como cultivar a mente, lidar com as mudanças na sociedade e abraçar desafios intelectuais. “Preparar-se para envelhecer não é fazer lifting no rosto ou praticar mais ginástica na academia”. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
O que a senhora pode nos contar sobre o desenvolvimento de uma comunidade ou uma cidade amiga do idoso?
No Canadá, há pelo menos mil cidades em todas as dez províncias participando das iniciativas para se tornarem mais amigas do idoso. Na cidade de Ottawa, estou trabalhando como voluntária na iniciativa Age-Friendly Ottawa (Ottawa Amiga do Idoso). A cada ano, a prefeitura disponibiliza 500 mil dólares canadenses para ações específicas, escolhidas por um comitê de avaliação independente. Por exemplo, o município está reformando calçadas, melhorando a acessibilidade dos prédios municipais, criando parques ‘amigos do idoso’, melhorando o transporte público para pessoas com incapacidades e oferecendo exercícios nos centros comunitários de saúde para a prevenção de quedas. Já o Conselho de Envelhecimento de Ottawa depende de bolsas públicas e privadas para seus programas educativos, destinados ou aos profissionais ou ao público da terceira idade. Também promove iniciativas de participação cidadã e de advocacy, como a auditoria ‘amiga do idoso’ sobre a acessibilidade para pedestres.
O projeto teve início em 2011, a partir da parceria entre a prefeitura municipal e o Conselho do Envelhecimento de Ottawa (organização de base voluntária). Naquele primeiro ano, fizemos juntos uma consulta à população idosa – incluindo grupos imigrantes, francófonos e anglófonos, grupos de baixa renda, moradores de bairros rurais e LGBT – para identificar os principais problemas enfrentados por eles. Depois disso, preparamos planos de ação bienais para o período de 2012 a 2014, renovados para 2015-2017, de modo a lidar com todas as oito áreas do modelo de Cidade Amiga do Idoso da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Dado o fato de que só agora o Brasil mostra sinais de recuperação de uma recessão econômica e, portanto, tem pouco espaço para ampliar os gastos públicos, que ações devem ser priorizadas sob a perspectiva da longevidade?
Em primeiro lugar, é importante manter os serviços básicos, como os centros de saúde primária, que atendem bem a população idosa, e também programas públicos de vacinação e de medicamentos para doenças crônicas. Retirar esses serviços poderia ter impactos fiscais negativos no longo prazo, além de aumentar o sofrimento de muitas pessoas. Segundo, o Brasil tem de desenvolver um sistema de cuidados de longa permanência, incluindo cuidados domésticos e de centros-dia. Esse sistema é necessário para prevenir problemas de saúde agudos que elevam os custos para o sistema público. O resultado virá no futuro. Idosos frágeis irão se tornar mais independentes, os cuidadores, principalmente as mulheres, poderão trabalhar fora de casa e mais empregos e inovações tecnológicas serão criados. Vale a pena apoiar e promover iniciativas comunitárias de apoio aos idosos.
O Canadá é exemplo mundial em qualidade do sistema de saúde pública. Quão amigo do idoso é? Como lida com a questão da longevidade da população?
O sistema de saúde canadense é bom especialmente em termos de serviços médicos e de cuidados nos hospitais. Mas não temos o paraíso de cuidados de saúde. Outros países oferecem melhores programas públicos de medicamentos. A Nova Zelândia, por exemplo. Temos problemas na área dos cuidados domésticos, que são hoje insuficientes. Temos alguns exemplos de boas práticas, baseados em evidência científica, mas que ainda são projetos piloto. Precisamos de um plano nacional de saúde do idoso. Há algumas boas iniciativas recentes, como o movimento crescente para tornar os hospitais mais amigos do idoso e o investimento do governo nacional em cuidados domésticos.
A senhora trabalhou no Centro Internacional de Longevidade do Brasil e, depois, fez parte da mesma instituição no Canadá. Que diferenças e que similaridades a senhora apontaria entre os dois países sob a ótica do seu trabalho?
Cada ILC é único, isso porque há diferenças em relação à experiência, tamanho, redes, instituições de base e, claro, o cenário em que cada país vive. No ILC Canadá, trabalhamos na área das políticas públicas do governo federal, para melhorar o apoio aos cuidados de saúde e para incentivar o governo canadense a seguir as diretrizes estabelecidas pela Organização das Nações Unidas na continuidade de promoção dos direitos dos idosos. Junto à Universidade de Ottawa, trabalhamos para criar parcerias de pesquisa e de difusão de conhecimento com empresas do setor privado. Queríamos criar o programa ‘Céus amigos dos idosos’, em parceria com aeroportos e companhias aéreas. No Brasil, um dos principais objetivos é promover o desenvolvimento das cidades amigas dos idosos – o que resultaria em cidades amigáveis para todos – e aumentar a consciência do público sobre os desafios do envelhecimento. O Brasil já tem um Estatuto do Idoso, o que proporciona noções para basear as políticas em relação aos direitos deles.
Como os brasileiros podem se preparar para a terceira idade?
Preparar-se para envelhecer não é fazer lifting no rosto ou praticar mais ginástica na academia. Como diz Alexandre Kalache, é preciso investir desde a juventude nos quatro pilares do envelhecimento ativo: saúde, participação, aprendizagem continuada e segurança. Muitas pessoas focam na manutenção da saúde física, mas precisam também cultivar a mente, lidar com as mudanças na sociedade, participar nas redes sociais e abraçar desafios intelectuais. Pessoalmente, sou aposentada, mas participo nas organizações comunitárias para manter os contatos sociais, a autoestima e a estimulação cerebral. É preciso antecipar as necessidades financeiras e as possíveis limitações que podem levar a mudanças no estilo da vida, como na habitação, por exemplo. Também é preciso planejar o fim da vida, com base nas diretrizes previstas.
O Brasil discute nesse momento reformas na previdência e na legislação trabalhista. Quais aspectos de saúde e longevidade, na sua opinião, devem ser observados?
Muitos países desenvolvidos já mudaram as políticas na aposentadoria para incentivar as pessoas a trabalharem por mais tempo. Em um mundo onde teremos mais idosos do que jovens essas mudanças são normais e necessárias. Mas é preciso criar condições de trabalho favoráveis e adaptadas aos trabalhadores mais velhos, para que eles possam contribuir com suas melhores habilidades. Também é preciso analisar os impactos negativos dessa medida. O último governo canadense aumentou a idade mínima de aposentadoria do setor público de 65 anos para 67 anos. O problema é que pessoas que mais dependem dessa renda são mais pobres, com mais problemas crônicos de saúde e que possuem incapacidades que limitam sua possibilidade de trabalho. Com a mudança de governo, a decisão foi revogada.
Em vez de um geriatra para cada mil idosos, como é recomendado pela OMS, o Brasil tem um geriatra para cada 12.086. É um caso isolado?
A escassez de geriatras é um fenômeno mundial, que se deve provavelmente a estereótipos negativos sobre o envelhecimento e sobre os idosos. No Canadá, temos muito mais pediatras que geriatras, embora agora haja mais idosos que jovens de até 14 anos. Uma solução é reforçar a formação geriátrica no currículo básico de medicina e no treinamento de todos os profissionais de saúde. Tirando os pediatras, todos os médicos especialistas vão cuidar cada vez mais de idosos, e todos precisam ter as competências necessárias para isso.