Se você dispuser de alguns minutos, reserve-os para ler este texto magnífico do historiador Leandro Karnal, publicado neste domingo no Estadão, sobre o processo de envelhecimento do ser humano, nosso processo de envelhecimento. Troquei o belo título original, “As corujas invisíveis do crepúsculo”, pelo título acima, porque achei que explicita melhor do que trata essa profunda reflexão sobre o nosso caminhar para o fim da vida. “O outono não é um raio num céu azul. Há sintomas prévios. A primeira vez que nos chamam de tio é um alerta. A percepção se acelera quando alguém nos cede um lugar no metrô lotado. Por fim, o elogio que mata o último botão da nossa fantasia de juventude finda, é disparado: você está bem para a idade… Pronto! Chegamos lá: a região obscura depois do cabo da Boa Esperança” – diz um trecho desse precioso texto.
Leia:
Há maneiras bonitas de descrever o processo. A metáfora poética da geada dos anos clareando cabelos, por exemplo. Shakespeare, no soneto 19, lembra que o tempo voraz cega as garras do leão e subtrai dentes ao tigre. Inconformado, pede o poeta que o rosto de seu amor seja poupado da devastação cronológica. Como todo conceito incômodo, o envelhecimento apresenta denominações diversas: do suave “melhor idade” até o cruel “zona do desmanche”. Rubem Alves sugeria o lirismo de “pessoas com o crepúsculo no olhar”.
Cícero refletiu sobre o processo na obra De Senectude, mesmo título do italiano Norberto Bobbio. Ecléa Bosi, no livro Memória e Sociedade, criou parágrafos lapidares sobre a idade. Simone de Beauvoir trata do conceito no texto Da Velhice. No fim da sua vida e de Sartre, aumentou a secura analítica no livro A Cerimônia do Adeus. Lembrei-me dos textos ao ver o filme Amor, de Michael Haneke, um dos mais belos e duros que já assisti.
A cor da vida é a cor da morte, assegura sábio ditado. Jovens chatos serão velhos chatos. Um adolescente brilhante tem chance grande de gerar um ancião da mesma cepa. No fundo, gente velha é igual a gente jovem, só que velha… Qual seria, de fato, nosso medo? Provavelmente, o receio dialoga com a questão da perda de relevância e de controle, especialmente sobre o nosso corpo.
O físico tem uma lógica particular. Deus permitiu que Jó perdesse todos os bens e seus dez filhos. O paciente sofredor resistiu, epicamente. Só depois, o Criador autoriza uma doença grave sobre o protagonista. O que podemos deduzir? Perder bens e perder filhos constituem males menores do que a fraqueza corporal em si. Em parte, como queria Espinosa, sou o meu corpo. Não existem duas instâncias separadas, mas uma só. Meu corpo não contém o meu ser, ele é o que sou. Velhice é a consciência do limite da matéria.
O outono não é um raio num céu azul. Há sintomas prévios. A primeira vez que nos chamam de tio é um alerta. Uma mulher de 30 anos olha com docilidade e insinua: você gosta de mulheres mais jovens? O Don Juan cinquentão estremece. Em breve surge o primeiro refluxo após um pouco mais de álcool à noite. As letras teimam em diminuir diante das retinas cansadas. Incorporamos palavras complexas ao vocabulário: presbiopia, estatinas, colonoscopia… Nossa casa fica cada vez mais confortável e a rua mais desafiadora. A nécessaire de remédios aumenta a cada ano.
A percepção se acelera quando alguém nos cede um lugar no metrô lotado, ainda com o sorriso generoso de um bom escoteiro que ampara Matusalém na reta final. Por fim, o elogio que mata o último botão da nossa fantasia de juventude finda, é disparado: você está bem para a idade… Pronto! Chegamos lá: a região obscura depois do cabo da Boa Esperança. Carimbamos o passaporte para a terra sem volta. O que está pela frente fica menor do que o que passou.
Há pessoas otimistas e pessimistas. As duas posturas envelhecerão. Lutar contra o tempo é como rebelar-se contra a lei da gravidade. Angustiar-se com a idade é temer a chegada do fim do dia ou das fases da lua. Não existe maneira indolor de viver o processo, mas há coisas objetivas a considerar.
Hegel notou que a coruja de Minerva levanta seu voo apenas com as sombras da noite. Esta era a análise tradicional para indicar que a ave símbolo da reflexão e ponderação (dedicada à deusa da sabedoria Minerva) consegue subir no instante do declínio da luz. Sabedoria nunca é alcançada cedo e nem sempre a tempo. Não existem garantias, mas a tradição ensina que podemos melhorar com o tempo. A diminuição dos movimentos rápidos dos anos de vigor máximo colaboram para isto. O carro vai mais devagar e a paisagem é mais clara, ainda que com óculos.
É uma idade de sinceridade. Crianças, velhos e bêbados têm um compromisso maior com a verdade. Nem sempre ficamos pacientes, mas cresce a autenticidade. A idade madura abre os olhos para as coisas essenciais.
Idade do fim? Há controvérsias. Para muitos é o momento de começar a fazer o que realmente gostam. Cora Coralina publicou seu primeiro livro de poesia com quase 76 anos. Konrad Adenauer reergueu a Alemanha Ocidental entre 73 e 87 anos, a mesma Alemanha que Hitler começara a destruir aos 43 anos.
Ulysses Guimarães, respondendo aos que o achavam velho demais para candidatar-se à presidência, gostava de lembrar que, em oposição ao experiente Adenauer, Nero tocou fogo em Roma aos 27 anos. Aliás, a obra máxima do doutor Ulysses, a promulgação da Constituição de 1988, foi feita na véspera de ele completar 72 anos.
Por fim, quando o mundo não precisa ser mais conquistado, ele pode ser fruído. Há mais tempo para isto. Os ritmos podem ser respeitados. Há vagas em estacionamento e preferência nas filas. De quando em vez, surgem netos, um estágio superior de paternidade e maternidade. Alguns possuem mais dinheiro na maturidade do que na juventude. Perdemos a obsessão com o julgamento alheio. Quase sempre saímos do jogo da sedução.
Há melancolia e libertação no processo. As cabeças não se voltam mais logo que entramos. Como muitos perceberam, aumenta nossa invisibilidade para o mundo. Na infância, eu achava que o homem invisível da televisão poderia fazer quase tudo. Os seres crepusculares podem! As corujas voam mais livres no fim.
Sou atemporal… sempre me sinto jovem, muito jovem. Se minha mente é jovem, minha identificação é com os jovens, jovem eu sou!
Se você envelhecer , consciente da diferença das duas palavras mágicas:
Solidão e Solitude
Considere-se uma pessoa que soube ter uma das mais difíceis descobertas, e portanto não foi pego de surpresa pela síndrome do ninho vazio.
Envelhecimento pode ser uma grande sacada !!!
Envelhecer! Sim , vamos evelhecer! Com vontade ou sem! Sim,vamos envelhecer! As dores,os esquecimentos,as manias,o excesso de teimosias! Sim,vamos envelhecer! Mas,sejamos alegres,tenhamos no coração piedade! Se a vida não foi boa,paciência! Pode não ter sido culpa sua!Mas,não faça da velhice uma via cruéis! Não seja má! Afinal,depois dessa velhice,não nos resta mais nada! Só. Morrer! Então siga com galhardia e aproveite o dia a dia até chegarmos ao ponto final! Sem hora,nem data nosso passaporte vai vencer.E,não será possível renovar! Bjs.
Bela reflexão, Valentina! Forte abraço para você!
Dou graças ao Supremo Criador Espiritual e Imortal pelas Obras Espirituais dos Grandes Inspirados como Jesus CRISTO, São Francisco, Pietro.Ubaldi, etc. Um legado inestimável para toda a existência, em que a morte física não elimina a imortalidade do Espírito que é a personalidade definitiva e Imortal.
Comparar Jesus Cristo a qualquer outro ser que já pisou sobre o planeta é uma tolice que a maturidade física e espiritual não deveria permitir.
Achei belíssimo o artigo, já conhecia alguns termos discriminatorios sobre o processo do envelhecimento mas como em qualquer época da vida tem suas idiossincrasias,, verdade que nos tornamos mais sábios com menos stress, financeiramente mais tranquilos.. verdade também que nossa debilidades aumentam mas urge não pensarmos tanto no que há por vir e.mais no hoje.
Não tenho medo d envelhecer.Tenho medo d ser inútil.Envelhecer e vitória.Muitos ficam pelo caminho.
Perfeito, excelente reflexão. Estou com 55 anos,já vivo a realidade de tia,avó ,já me oferecem o lugar no ônibus e no metrô. Realmente o corpo começa a dar sinais. Que a gente consiga seguir em frente com todos nossos conflitos internos.
Perfeito! Que reflexão maravilhosa!
Esse ano chego aos 50 anos e ler essas palavras me fez repensar em certas atitudes minhas e como não devo mais agir.Não tenho medo de envelhecer, isso vai acontecer com todos e esse texto deve ser compartilhado para que aquelas pessoas que não aceitam envelhecer, saibam aproveitar cada segundo e não se deixar abalar com isso…
Sou grata por tudo e ver meus filhos bem ,já me deixa feliz e tranquila.
Mais uma vez, uma belíssima reflexão!
Só chega à velhice quem fez por merecê-la… .
Excelente,estou no processo,comecei a trabalhar de carteira assinada aos 43 enquanto muitos já aposentando ,solteira pronta pa aum tratamento sério porém cheia de planos de fazer o que na juventude não tive oportunidade,tirei a habilitação aos 54 anos não de primeira porém no meu tempo ,ainda vou sim dirigir pois meu sonho de consumo depois de cuidar da saúde é claro , obrigado pela reflexão,obs : ainda não me aposentei. ????
Como tem gente de 50
Se achando velha eu acho que velho é depois dos 80
Nem mais ?
Bravo! Realmente tudo dito é vivido por todos, sem excessao. Alguns preferem fugir desta mão única e se refugiam em paradas não obrigatórias de acostamentos que aliviam um pouco o ego mas que no fim, chega bem na hora do farol fechado.