Reuni informações da reportagem de O Globo, escrita por Vivian Oswald, e de um artigo da BBC News para compor a matéria que você vai ler abaixo. Morei muitos anos na Grã-Bretanha, a maior parte do tempo em Londres, trabalhando para a BBC. Uma parcela grande dos britânicos tem verdadeira adoração pela monarca, que conseguiu, mesmo com o peso do cargo que ocupa, atravessar sete décadas. Hoje, com 96 anos, viuva, a rainha começa a dar sinais de que a saúde não anda tão bem. Tanto que não participará de muitos dos eventos que, hoje e ao longo do final de semana, vão celebrar o seu longevo reinado. Nesta sexta, ela não participou de uma missa, na catedral de Saint Pauls, à qual compareceram todos os outros membros da família real.
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O Reino Unido – Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) iniciou nesta quinta-feira(2) um feriado prolongado de quatro dias (de 2 a 5 de junho) como parte das comemorações do jubileu de platina da rainha.
Há vários eventos oficiais planejados ao longo do ano, mas as principais celebrações vão acontecer durante esse feriado prolongado, incluindo uma cerimônia militar especial e um concerto do lado de fora do Palácio de Buckingham.
Milhares de festas de rua serão realizadas em todo o país. Pubs, bares e casas noturnas também poderão ficar abertos até 1h da manhã (horário local).
Em fevereiro, Elizabeth 2ª se tornou a monarca britânica com mais tempo de reinado: é a primeira a alcançar 70 anos no trono.
A rainha é a chefe de Estado do Reino Unido desde 1952, quando seu pai, o rei George 6°, morreu. É também chefe de Estado de outros 15 países (Reino Unido e outras 14 nações) da Commonwealth (a Comunidade Britânica, que reúne antigas colônias).
Sexta mulher a ocupar o trono
Há exatos 70 anos, Elizabeth Alexandra Mary se tornava a sexta monarca da longa história britânica. Com a morte do pai, a jovem mãe de dois filhos se tornava, aos 25 anos, a representação da nação, da imagem da família ideal e do futuro das novas gerações do pós-guerra.
A responsabilidade era imensa. A cobrança, maior ainda. Desde Maria I, a primeira rainha reinante da Inglaterra (1553-1558), só cinco outras mulheres ascenderam ao trono, em comparação com 14 homens.
Jane, meia irmã de Maria, não costuma ser contabilizada por ter ficado nove dias no posto. Historicamente, governos, Parlamento e o público sempre tiveram grande ansiedade em relação às mulheres. Achavam que não seriam fortes o suficiente, se deixariam influenciar ou não estariam à altura da função.
Elizabeth II bateu o recorde
Ninguém, mulher ou homem, reinou por tanto tempo neste país como Elizabeth II — que bateu o recorde da rainha Vitória, o segundo reinado mais longevo da história britânica (64 anos). Não por acaso, o jubileu de platina da monarca terá a maior comemoração de que se tem notícia no Reino Unido.
No mundo inteiro, só três monarcas ultrapassaram a marca: Luís XIV da França (72 anos e 110 dias), o rei da Tailândia Bhumibol Adulyadej (70 anos e 126 dias), e João II, príncipe de Liechtenstein (70 anos e 91 dias).
Para acadêmicos, foi ela quem aproximou a monarquia do público. Seu reinado surgiu num período em que a família real buscava um significado depois da Segunda Guerra Mundial.
Durante os bombardeios, a família real visitara famílias afetadas e atraíra muita cobertura da mídia. A então princesa Elizabeth serviu na guerra como mecânica. Era a personificação desse novo significado, segundo o historiador especialista em monarquia Ed Owens.
— A jovem mãe de família, com um marido lindo, uma espécie de galã, nesse momento, se torna o símbolo da família ideal. Muito se trabalhou por esse papel simbólico ao longo dos anos — afirmou Owens.
O rei George VI, seu pai, não era popular. Não tanto quanto o irmão mais velho, Eduardo VIII, que abdicou da Coroa em 1936 para se casar com a americana Wallis Simpson.
— Perdeu-se uma das celebridade mais amadas. Foi substituído pelo irmão mais novo, menos conhecido, que tinha um problema visível, a gagueira, que nunca superou. As pessoas não gostavam de ouvi-lo.
Não era figura romântica como as filhas (Elizabeth e Margaret), que foram apresentadas ao mundo como princesas de conto de fadas. Elas deram uma espécie de glamour feminino à monarquia — disse ao GLOBO Owens, que é autor do livro “The Family firm” (A firma da família), que pode ser baixado gratuitamente na internet.
As três rainhas mais influentes
Vitória tornou-se rainha muito cedo, aos 18 anos. Seu entorno achava que podia não estar preparada e se deixar influenciar pelo então primeiro-ministro lorde Melbourne. Com Ana, temia-se que pudesse deixar-se levar pelas mulheres, como a poderosa duquesa de Malborough. A rainha Ana engravidou 17 vezes (só um filho sobreviveu). Vitória teve nove. Elizabeth II teve dois antes e dois depois da coroação, a que o pequeno Charles, aos 3 anos, a única criança presente, assistiu contrariado diante dos oito mil convidados.
— Havia uma crença de que ser mãe e governar um país eram ideias conflitantes — ressalta a professora Richardson.
Para a historiadora, três rainhas se destacaram nos últimos séculos: Vitória, Elizabeth I e Elizabeth II. A primeira foi a mais influente e poderosa. Sob seu reinado, foram construídos o império e o poderio econômico, e a era vitoriana foi marcada pela industrialização e ascensão da democracia. Elizabeth I estabilizou a fé protestante, resistiu à Espanha e desenvolveu a Marinha britânica. A era de Elizabeth II teria sido marcada por novas tecnologias, direitos humanos e Estado de bem-estar social.
Muitos historiadores associam a Elizabeth II a ideia de estabilidade num mundo em constante transformação — “a figura que sempre tentou se identificar com a luta da população. Teve papel político menos ativo, mas sempre foi a imagem do ‘estamos nisso juntos’”, segundo Richardson.
— Foi uma das primeiras a se conectar com o público. Abriu as portas do palácio para a TV , criou a transmissão anual de fim de ano, que virou uma tradição. Ela dá estabilidade — explica a professora.
Em entrevista à Radio Times, a atriz Olivia Colman, que interpretou a rainha na série “The Crown”, disse que Elizabeth II é uma feminista. “Ela é a provedora. Tem a face estampada nas moedas e notas de dinheiro. O príncipe Philip tinha que andar atrás dela. Consertava automóveis na II Guerra. Insistiu em conduzir o carro em que estava um rei que vinha de um país [a Arábia Saudita] onde as mulheres eram proibidas de dirigir.”
Monarquia como fardo
Mas nem tudo foi conto de fadas. Para Owens, Elizabeth II se destaca sobretudo pela sua longevidade.
— Temos que ter cautela. Daqui a alguns anos, nós vamos olhar para trás e reconhecer que houve muitas falhas. A rainha vai terminar seu reinado, nos próximos anos, com um país mais marcado do que nunca por divisões — disse.
Owens lembra que Escócia e País de Gales querem um tipo de novo acordo constitucional que poderia desencadear sua independência.
— Ela passou o tempo todo tentando manter unidade de uma nação que desmoronava. Herdou essa coisa chamada Comunidade das Nações, desenhada para remodelar o império, quando a palavra império se tornou palavrão. Seu reinado também foi definido pelo contínuo declínio relativo do Reino Unido em relação a outras nações — disse Owens.
Elizabeth II saiu-se bem no objetivo de tornar-se o esteio moral da monarquia. O fato é que as sete décadas do seu reinado consolidaram a construção da ideia de que reinar é difícil, cansativo e custoso.
— É uma estratégia para distrair do fato de que a família real tem uma existência cheia de privilégios e riqueza. Isso está muito distante de quem ganha o salário mínimo ou menos que isso — disse o historiador.
No seu livro, Owens afirma que o efeito desejado foi atingido: evocar a simpatia e a empatia do público, para que não sentisse inveja, raiva ou amargura desse grupo privilegiado. Ao ser coroada, Elizabeth II já evocou a ideia de fardo ao dizer que, com a coroa, precisava ler o discurso de cabeça erguida devido ao peso dela.
Veja a visita da rainha ao Brasil, em 1968: