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Eu sempre digo o mesmo que Leo Aversa diz nesta crônica que ele escreveu para o Globo: aproveite muito seus pais. Quando eles se vão, o mundo fica menor, nossa história fica mais pobre. Tive a fortuna de amar os meus pais, que já se foram há muito. Aos 70 anos continuo sentindo muita falta deles. No texto abaixo, o autor, que perdeu o pai recentemente, fala da dor da perda, do vazio da ausência, quando ainda tinha tanta coisa para conversar com o pai, tantas perguntas para fazer. Por isso, ele alerta: “Se o leitor tem seus pais ainda por perto, aceite um conselho: fale com eles enquanto dá, pergunte o que você não sabe, peça para eles falarem do seu passado, da sua família: a sua história é a história do seu sangue.”
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Pai, como aquela nuvem foi parar no céu? Mãe, o que tem no fundo do mar? Crianças fazem todo tipo de pergunta com a certeza que os pais saberão as respostas. Também ouvem suas histórias de vida com curiosidade e atenção, sabem que serão delas um dia. Com o tempo a opinião vai mudando e o que os pais dizem deixa de ter sentido, muito menos função: como esse enferrujado vai saber o que tá rolando por aí, o que eu estou sentindo? De que mundo ele está falando? Cheios de certezas e razão, começam a querer as próprias histórias e respostas.
Não deveria ser assim para sempre, mas tem tanta coisa acontecendo, tanto trabalho para se realizar, vida para levar, que a gente meio que esquece os pais, suas histórias, suas respostas. Nossos problemas são os atuais, nossas questões as pertinentes, nossas dúvidas exclusivas: nem nos passa pela cabeça que alguém já tenha passado pelo mesmo, tempos atrás. Com tantas obrigações e compromissos não temos mais tempo de perguntar, não tem tempo de ouvir os pais. Um dia a gente conversa, pensamos, a vida é longa, dá tempo de tudo.
Se o leitor tem seus pais ainda por perto, aceite um conselho do colunista: fale com eles enquanto dá, pergunte o que você não sabe, peça para eles falarem do seu passado, da sua família: a sua história é a história do seu sangue. Não só: conte para o seu pai sobre as vezes em que você olhou para o espelho e viu a cara dele. Fale para sua mãe do orgulho que sente ao assinar o seu sobrenome. Deixe claro aos dois quantas vezes os usou de exemplo para educar seus filhos. Olhe nos olhos, abrace. O tempo é curto.
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Meu pai faleceu na quarta-feira passada. Foi, como eu, um homem do século passado, dos criados para não falar das próprias emoções, daqueles que conversam sobre sentimentos com um soquinho no braço, um tapinha nas costas e algumas piadas. Faz falta. Se pudesse voltar no tempo, ia perguntar para ele sobre as vezes que sentiu medo, as ocasiões em que não soube o que fazer. Queria saber como se lida com o temor de falhar, de não estar à altura dos acontecimentos, das responsabilidades. Queria que ele me dissesse como se faz para seguir em frente com otimismo, como quando me via angustiado e dizia que tudo ia ficar bem, mesmo quando sabia que não estava. Amanhã será outro dia, dizia. Queria sentar com ele e falar sobre arrependimentos, orgulho, alegrias, decepções. Sobre as ilusões que se deixam pelo caminho, sobre os sonhos que se mantêm até o fim.
Não posso me queixar: que nos faltou em diálogo, me sobrou em exemplo. Homens do século passado eram mais de atos que de discursos. Ele tinha a cultura — dele, do pai dele — dos imigrantes: acordar cedo e trabalhar duro, para que os filhos tenham as oportunidades que o pai não teve. Deu certo. Os últimos anos, porém, foram difíceis: o Alzheimer o deixou cada vez mais longe. Até quarta passada a gente ainda sonhava com um milagre, alguma cura para trazer ele de volta, para responder às minhas perguntas sobre o céu, o mar e a vida. Para me dizer que tudo vai ficar bem.
Não vai dar mais.
Resta uma solidão imensa, uma tristeza que não há lágrima que alivie. É difícil seguir em frente, mas é preciso ficar de pé: é a minha vez de contar a um menino angustiado — com a ausência do avô, com a presença da morte — que amanhã será outro dia e tudo vai ficar bem.
Ciao papá.
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