Márcia Lage
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Se eu fosse da área de Tecnologia da Informação desenvolveria um aplicativo de alerta sobre os momentos de ira em que uma pessoa se perde da sua humanidade.
Uma espécie de Wase, que no lugar de oferecer informações sobre buracos na via, engarrafamentos, radares de velocidade, obrigação de ligar os faróis e recomendar cuidado sobre excesso de velocidade, advertisse sobre desvíos de conduta moral e ética.
O aplicativo, que já viria instalado no celular, captaria as informações do usuário e o alertaria de acordo com suas atividades. Um político, por exemplo, receberia avisos sobre prevaricação, corrupção, mentiras e manipulações. Por mensagens de texto, depois de áudio e, por fim, se nada intimidasse, transmissão imediata das mensagem para órgãos de controle do crime em gestação.
Médicos, juízes, advogados, engenheiros, jornalistas, pastores, padres, farmacéuticos, cientistas, policiais, empresários, professores, todos teriam advertências próprias ao exercício de suas profissões, com lembretes sobre desvio de conduta, legislação pertinente ao caso e denúncia imediata, se nada adiantasse.
Para todos, sem exceção, o alarme soaria nas loucuras transitórias, para evitar crimes passionais, agressões no trânsito, surras em crianças e nas companheiras, fogo em índios e mendigos, sufocamentos em camburões, estupros, formação de gangues, brigas de torcidas, essas manifestações individuais e coletivas que levam o ser humano a perder a cabeça. E a rebaixar-se como espécie, tornando-se uma besta sem instinto e sem razão. Tão somente fera, destituída de coração.
As primeiras mensagens seriam delicadas, com voz de anjo. “Cuidado, você está prestes a sair da sua condição de humano. Retorne”. As segundas seriam mais incisivas: “Pense bem no que vai fazer. Infração tal da lei tal, punição X.
A terceira já disparava os alertas e o infrator era preso antes de consumar o crime. Se mesmo assim tivesse tempo para descarregar uma arma sobre o adversário, seus dados e localização eram enviados para todos os carros de polícia à volta. O criminoso não dobraria a esquina sem ser pego.
Os policiais que faziam a operação também seriam advertidos sobre excessos, tudo gravado, filmado, indeletável e não editável. Transmitido ao vivo em casos de muito abuso e truculência.
Você vai perguntar: Isso pode? Não é quebra de sigilo e de dados? Qual a novidade? Já não sabem tudo de nossas vidas para o bem deles? Onde andamos, o que pensamos, quanto ganhamos e o que queremos? Os criminosos não nos ligam diariamente, na esperança de que, entre mil, um golpe dê certo? Os comuns não nos obrigam a ouvir seus funks, seus sertanejos universitarios, seus hinos de louvor e suas discussões de relações em qualquer espaço público e coletivo?
Então, de minha parte, não vejo objeção ética para que um gênio da informática junte toda essa tecnologia que já nos expõe diariamente, e a use para despertar a humanidade sobre seu papel evolutivo.
Já temos aplicativo para tudo. Falta esse, que nos recorde que somos seres inteligentes, racionais, espirituais e capazes de conter nossos impulsos agressivos e nossos instintos animais, para ganharmos felicidade. Paz de espírito. Segurança. Confiança. Nada disso se conquista fora da ética e da civilidade.
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