Infelizmente, eu me incluo nesta estatística. Aos 72 anos, fui diagnosticada com duas hérnias de disco. Consequência de horas a fio sentada na escrivaninha, trabalhando no computador.
Considero, no meu caso, que a negligência resultou no problema. Várias vezes senti a coluna reclamando, mas não parei para prestar atenção ao que estava acontecendo.
A pesquisa, que deu origem a este artigo de Fabiana Cambricoli para o Estadão, mostra que, no Brasil, 37% das pessoas com mais de 50 anos sofrem de dor crônica – artrite, coluna e resultado de quedas.
O número é muito alto. O problema é mais sério entre as mulheres, pessoas mais pobres, com escolaridade baixa.
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Um em cada três brasileiros com mais de 50 anos sofre de algum tipo de dor crônica – e quase um terço desse grupo utiliza opioides para aliviar o desconforto, índice visto como preocupante pelo Ministério da Saúde e por especialistas pelo alto potencial que essa classe de medicamentos tem em causar dependência. Diante do cenário, o órgão federal prepara novo protocolo de tratamento para a dor crônica no Sistema Único de Saúde (SUS) para trazer alternativas ao uso desses remédios.
Os dados de prevalência da dor crônica e do uso de opioides fazem parte do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos (ELSI-Brasil), coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e financiado pelo ministério. A pesquisa acompanha mais de 10 mil brasileiros com mais de 50 anos em 70 municípios brasileiros.
O trabalho com os dados específicos sobre dor crônica, publicado no periódico Lancet Regional Health – Americas, mostra que 36,9% dos brasileiros na faixa etária analisada sofrem do problema, mas que esse índice é maior em alguns grupos. “O índice geral é semelhante ao observado na maioria dos países de média e alta renda, mas é importante salientar que, entre os brasileiros, a prevalência da dor crônica foi substancialmente mais alta entre aqueles com nível mais baixo de escolaridade e com menor renda per capita”, destaca Maria Fernanda Lima-Costa, pesquisadora da Fiocruz e da UFMG e coordenadora do Elsi-Brasil.
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Em relação à escolaridade, esse índice de prevalência varia de 29% entre aqueles com 12 anos ou mais de escolaridade a 40% entre aqueles com 0 a 4 anos de estudo. Já com relação à renda, a prevalência vai de 28% entre o quinto mais rico a 46% entre o quinto mais pobre da população. “Ou seja, existem profundas desigualdades sociais na presença da dor e, consequentemente, na qualidade de vida”, diz a pesquisadora.
Há prevalência maior também entre mulheres – 42% no grupo feminino contra 31% entre os homens. Essa tendência se repete em outros países, mas os pesquisadores ainda não sabem as razões dessa disparidade.
De acordo com Maria Fernanda, as principais causas de dores crônicas são artrite, problemas na coluna e quedas. “Aqueles com sintomas depressivos também apresentam maior prevalência de dores frequentes, possivelmente como consequência desta condição”, diz. O caminho inverso também acontece. A dor crônica pode levar a quadros depressivos.
A pesquisadora diz que, hoje, os principais tratamentos para a dor crônica são uso de analgésicos, inclusive opioides, e fisioterapia, mas destaca que o uso desse tipo de medicamento deve ser feito com cautela. “Existem indicações clínicas para o uso de opioides. Mas seu uso inadequado é uma das maiores preocupações para a saúde pública. Nossos resultados chamam a atenção para a necessidade de vigilância no seu uso. O uso de opioides tem sido monitorado em países de alta renda. Trata-se de um problema emergente em países de média renda como o Brasil”, afirma.
Esse monitoramento em países de alta renda deve-se sobretudo à grave crise de saúde pública causada pelo uso abusivo de opioides nos Estados Unidos. Seu uso indiscriminado e sem controle levou milhões de pessoas ao vício nessa classe de medicamentos, inclusive entre aqueles que não tinham indicação clínica de utilização, com um alto número de mortes por overdose.
Somente em 2021, mais de 80 mil americanos morreram por overdose desses fármacos, segundo estimativas do Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês).
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Para evitar que o uso inadequado cresça no Brasil, pesquisadores e o Ministério da Saúde defendem uma ampliação das opções terapêuticas no SUS e promoção de ações de prevenção das dores crônicas. “Precisamos de protocolos para o manejo da dor na atenção primária, com abordagem multidisciplinar”, diz Maria Fernanda, referindo-se ao atendimento prestado nos postos de saúde.
Para enfrentar o problema, o Ministério da Saúde diz apostar em maior investimento em equipes multidisciplinares na atenção primária, que contem, por exemplo, com fisioterapeutas. De acordo com a pasta, foram investidos R$ 870 milhões neste ano para que Estados e municípios investissem em equipes com diferentes profissionais. Será repassado mais R$ 1,8 bilhão no ano que vem para esse mesmo programa.
Além disso, o ministério trabalha em um protocolo mais abrangente com terapias complementares para o manejo da dor, segundo Nésio Fernandes, secretário de Atenção Primária à Saúde. “Estamos construindo um protocolo de medicina integrativa, que tenham técnicas de baixo risco de eventos adversos, como acupuntura, e com estímulo à atividade física como fator protetor da população idosa”, diz. O protocolo deverá ser colocado em consulta pública no começo do ano que vem.
Lígia Gualberto, coordenadora de Saúde da Pessoa Idosa na Atenção Primária do ministério, destaca que, para evitar dores ao longo do processo de envelhecimento, e consequentemente a demanda por opioides, o ideal é que o indivíduo adote desde cedo hábitos saudáveis de vida, como a prática de atividades físicas.
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“Com o envelhecimento, a tendência é o declínio da massa muscular, que se agrava em contexto de sedentarismo. Esse enfraquecimento muscular está diretamente relacionado a prejuízos na mobilidade em idades avançadas e ao contexto de dor crônica”, explica.