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Um belo exemplo de longevidade ativa: a brasileira Marineth Huback começou a praticar montanhismo aos 60 anos e ainda hoje sai pelo mundo se se divertindo com o esporte radical. Mantém-se tão em forma que a gente pode dizer que ela está dando um golpe na velhice.
Ao longo desta entrevista feita por Letícia Messias para O Globlo, Marineth conta muitas histórias. Uma delas é que foi se vacinar e, ao chegar ao local de vacinação percebeu que grande parte das pessoas que estava lá tinha problemas físicos, estava em cadeira de rodas.
“Cheguei à conclusão que a terceira idade no Brasil não está nada bem, apesar de estar vivendo mais”, comenta ela, deixando claro que, “a mim não me interessa viver muito, eu quero viver bem.”
Leia a inspiradora entrevista:
Em outubro de 1998, uma reportagem do jornal Extra descrevia Marineth Huback, então com 60 anos, como uma senhora de físico invejável que caminhava dez quilômetros diariamente, fazia tai chi chuan e hidroginástica. O título da matéria já dizia: “um duro golpe na velhice”. Mais de 20 anos depois, porém, o que era uma história de superação ganhou ares de incredulidade. Aos 85, ela ainda se aventura no montanhismo, acumula mais de 118 cumes alcançados e perdeu as contas da quantidade de trilhas que percorreu pelo Brasil e no mundo.
Com muito bom humor, Marineth sorri ao falar da própria história com os exercícios físicos, que, segundo ela, começaram a fazer parte da rotina quando ainda tinha 10 anos e morava em Nova Friburgo, município do Rio de Janeiro. A porta de entrada foi o programa de rádio “Hora da ginástica”, em que o professor Oswaldo Diniz Magalhães (1904-1998) dava aulas ao vivo que tinham início às 6h da manhã. Depois disso, nunca mais parou — ela sabia a importância de movimentar o corpo e tinha vontade de manter uma vida saudável.
Aos 85 anos, Marineth Huback ainda pratica montanhismo no Brasil e no mundo
Aos 18 anos, ela se mudou para o Rio de Janeiro em busca de trabalho e com o sonho de ser “aeromoça”, a atual comissária de bordo. De acordo com ela, na época, os atributos pessoais ficavam em segundo plano nos processos seletivos: “se fosse bonita, era contratada”. E foi justamente nesse emprego que Marineth conheceu o primeiro marido, o piloto José Macedo de Almeida. Ela diz que, certa vez, ele precisou ir ao aeroporto para resolver questões burocráticas, mas saiu de lá com um encontro marcado e, oito meses depois, os dois se casaram.
— Fui morar em Belém do Pará e fiquei lá por 15 anos. Nossos filhos nasceram lá, mas ele voava muito. Quando voltamos para o Rio, cerca de sete meses depois, ele morreu em um acidente de avião. Passei a ser mãe e pai, fazendo o possível para todo mundo dar muito certo na vida — disse Marineth ao GLOBO.
‘O que vou fazer da minha vida?’
Seis anos após a morte do marido, em 1978, Marineth casou novamente — desta vez, com um homem 20 anos mais velho e que, de acordo com ela, era uma pessoa muito sofrida, pois havia perdido a esposa e um filho. Eles ficaram juntos por 14 anos, até a morte dele. Viúva pela segunda vez e aos 57 anos, ela lembra que, nessa fase, começou a pensar o que faria com a própria vida, e recebeu o incentivo dos filhos para que desse uma “virada completa na rotina”.
— Sempre que eu passava pela Pedra da Gávea, enquanto meu segundo marido estava vivo, eu dizia que ainda chegaria lá em cima. Ele me perguntava como eu subiria lá, e eu respondia que não sabia, mas que ia procurar saber. Então ele me falava ‘só depois que eu morrer’, e eu ficava com vontade de dizer ‘mas vai demorar muito?’ — relembra Marineth, aos risos.
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Em busca de uma nova motivação após o luto, ela resolveu se inscrever para aulas de tai chi chuan, arte marcial chinesa que ela já pratica há 25 anos. Lá, Marineth conheceu a montanhista Jana Menezes, que a incentivou a colocar em prática o desejo antigo de fazer trilhas, começando, claro, pela Pedra da Gávea. Entusiasmada, ela subiu a pedra pela primeira vez em 1997 — depois disso, já repetiu a dose 17 vezes — e, na ocasião, disse que tinha uma “promessa para pagar”.
— Um colega levou uma espada para a pedra, e na hora não entendi o porquê, mas acabou tendo utilidade. Quando cheguei lá em cima, passei a mão na espada e gritei bem alto o nome do meu falecido marido. Eu dizia: ‘Robert, eu não falei para você que eu ia subir a Pedra da Gávea? Eu estou aqui. Está me ouvindo? Tem que ouvir, porque você implicou muito comigo por isso’ — conta.
‘Não vim aqui para comer milho, não’
Por ter começado as atividades no montanhismo a partir da terceira idade, Marineth costuma ouvir comentários de surpresa e admiração. Mas, segundo ela, uma história ficou marcada na memória: a subida da Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí. A caminhada até a trilha é feita de madrugada, de modo que o início da escalada ocorra pela manhã bem cedo. Da primeira vez que foi ao local, aos 81 anos, ela estava com um grupo de 18 pessoas, todas mais novas. O monitor do parque, então, perguntou se ela iria esperar e ofereceu um espaço com sombra para que ela se sentasse.
— Quando eu disse que eu ia, ele falou que chegaria uma pessoa que vende água de coco e milho, e que era para eu ficar sentada na sombra conversando e esperando. Eu olhei para ele e disse: ‘meu amigo, eu não vim aqui para comer milho, não’. Na hora, imagino que ele deva ter pensado: ‘essa velha vai, não vai aguentar e vamos ter que fazer o resgate dela’. Só que eu fui subindo, e são 634 degraus.
Ao concluir a subida, ela ficou “feliz da vida”, mas não deixou de reparar que “um casal de jovens” estava logo atrás, na subida da via ferrata, sem equipamentos. Ela conta que, quando a mulher viu todo o preparo do grupo, com instrumentos de proteção, passou a travar e dizer que não sairia dali. O resgate foi chamado, e quando Marineth retornou ao parque, descobriu que todos achavam que o pedido de ajuda tinha sido feito por ela.
— Eu respondi que, na verdade, quem pedia socorro era uma jovem — disse. — O monitor ficou impressionado e disse que nunca tinha visto uma senhora da minha idade fazer aquilo. Falei que para tudo tinha uma primeira vez. Então, ele pediu para tirar foto comigo — lembra.
‘A terceira idade no Brasil não está nada bem’
Mesmo na pandemia, Marineth não deixou de praticar exercícios, na medida do possível. Ela diz que a primeira dose da vacina de Covid-19 veio um dia depois de completar 84 anos, o que a fez pensar que este seria um presente de aniversário. Pela manhã, se arrumou e saiu de casa em uma caminhada entre o Leblon, no Rio, até a Gávea, local em que ocorreu a vacinação. Quando chegou lá, porém, a felicidade pela imunização dividiu espaço com a surpresa ao perceber o cenário da terceira idade.
— A esmagadora maioria das pessoas estava em cadeira de rodas, andador, usando muleta ou com alguém amparando. Por um momento eu achei que não era o meu dia, mas tinha certeza que era. Cheguei à conclusão que a terceira idade no Brasil não está nada bem, apesar de estar vivendo mais. A mim não me interessa viver muito, eu quero viver bem.
Para a especialista em gerontologia, Talita Cezareti, um dos segredos para a longevidade é a sensação de pertencimento – o que, em atividades como o montanhismo, é comum. Além disso, o contato com a natureza, proporcionado pela prática, faz com que o idoso sinta que continua sendo capaz de realizar exercícios físicos, que, embora sejam importantes, deixam de ser prioridade a medida que as pessoas envelhecem. Segundo ela, ter uma vida ativa contribui não só para o corpo, mas para o psicológico e o contato social, aspectos também relevantes entre os mais velhos.
— Ela é uma pessoa fora da curva, porque a tendência é que os idosos se movimentem menos. O comportamento sedentário é um fator de risco para o aumento da mortalidade. Mas também é importante dizer que nunca é tarde para começar. Muitos idosos podem ver esta senhora e pensar ‘nossa, por que eu não fiz isso antes?’. Mas é possível aumentar a força mesmo começando a fazer atividades mais tarde, e eu vejo isso todos os dias — concluiu.
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