Márcia Lage
50emais
A mamucha da laranja se transformou em outro elemento, da noite para a manhã. Era uma espécie de plástico, dura e seca, oito horas depois de ter sido chupada. Se o calor desumano que encobre o país faz alquimia com as frutas e os legumes, imagina o que não está fazendo conosco. Meus braços já são maracujá de fruteira. Por dentro, esturrica e dá pane.
Viver tem sido um sacrifício. Nem banho frio se pode tomar, que a água escorre do chuveiro a 40 graus.
Se a energia acaba, como aconteceu em SP, os apartamentos se tornam presídios, com falta de elevador, de acendedor elétrico nos fogões a gás, falta d’água, se a água de beber é filtrada em casa.
Criamos nosso proprio infortúnio com a interdependência das fontes de energia e das comunicações.
Imaginem uma pane global de internet. “O trânsito está nervoso, as pessoas ficam impacientes com esse calor”, disse o motorista do Uber.
Ele estava com problemas no GPS. Será que o calor interfere nas comunicações?
Motoristas de Uber têm relatado desligamentos repentinos do GPS.
Comigo aconteceu coisa similar. O Wase se desconectou na estrada, com mensagem de que a alta temperatura do aparelho exigia uma pausa.
Peguei o telefone sobre o painel e ambos estavam pelando. O sol fez lá de fora uma fornalha e humilhava o ar condicionado.
Depois disso o celular deu pane, como o do motorista do Uber.
Levei para reparo e a loja da marca estava lotada de gente se queixando de fatos pitorescos.
Senhas que de repente deixaram de funcionar e o aparelho foi bloqueado. Desligamentos repentinos. Descarregamentos rápidos.
Os técnicos olhando para todos como um bando de alucinados.
Tudo que acontece de errado com nossos aparelhos é culpa nossa, eles dizem. Injustiça.
Uma coisa é alguém ter um carro e dirigi-lo com eficiência.
Outra, é ser o fabricante do carro ou o mecânico do mesmo.
Vale a máxima para aparelhos eletrônicos em geral.
Até porque nem manual de instalação ou instrução de uso eles possuem mais. É tudo eletrônico.
Os problemas ficam insolúveis quando o celular falha.
Voltando äs panes provocadas pelo calor, minha suspeita delirante.
Pesquisei no Google, o deus da informação, da desinformação e das suposições. Pois bem: lá estava o alerta:
A internet está sob risco e o aquecimento global deve assumir mais essa culpa.
As mais populosas cidades ficam próximas ao litoral, onde estão enterrados milhares de quilômetros de cabos de fibra óptica.
De acordo com um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison e da Universidade do Oregon, o aumento do nível no mar vai atingir essa rede, com consequências catastróficas.
“A maior parte do dano que será feito nos próximos 100 anos será mais cedo do que tarde”, diz Paul Barford, professor de ciência da computação na Universidade de Wisconsin.
“A expectativa era de que tivéssemos 50 anos para planejar isso. Mas nós não temos 50 anos.”
O artigo foi publicado em 2018, na revista Galileu. Cinco anos depois, os prognósticos alarmantes para o futuro estão aí.
O aquecimento global não esperou 2033, a data fatídica para a cobrança da fatura do que fizemos com o planeta. Está sacudindo céu e mar em todos os hemisférios e setores.
A tecnologia falha sob os ventos quentes da terra em transe. E, sem ela, não dá nem para pedir socorro.
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