50emais
Este artigo do jornalista Fernando Gabeira, publicado por O Globo, deveria ser lido por todos os brasileiros a partir dos 50 anos, porque é uma espécie de alerta. Uma tentativa de chamar a atenção para o Alzheimer, doença cujo número de casos só aumenta, sem que o país tenha estrutura para lidar com essa realidade.
Estudos mostram que, nas próximas décadas, o Brasil será um dos países mais afetados por esse tipo de demência. Gabeira fala do nosso despreparo, da ausência de um plano destinado a lidar com esse flagelo.
Ele também faz questão de ressaltar a importância da prevenção contra essa doença tão devastadora.
“Uma entidade com verbas públicas e privadas poderia estudar todas as dimensões da doença, sugerir políticas adequadas, criar cursos de formação de acompanhantes, produzir cartilhas para que idosos e os próprios familiares valorizem os sintomas e façam exames” – afirma ele.
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Na semana passada, visitei uma pessoa muito importante na minha vida. Mente brilhante e curiosa, não me reconhecia mais nem conseguia contar com facilidade até dez. Alzheimer.
Saí da clínica disposto a fazer mais que visitá-la com frequência nesta longa jornada pelo oblívio. Escolho essa palavra porque “Oblivion” é o título de uma das músicas mais tristes que conheço, tocada por Astor Piazzolla.
Desde o fim do século passado, pensei em fazer algo a respeito da doença de Alzheimer. Era deputado quando soube que o governo francês produzira um longo relatório sobre o tema. Recebi apenas uma síntese. Mas era o bastante para me preocupar. É um tipo de doença que sobrecarrega as famílias, sobretudo as mais pobres, que precisam de ajuda para cuidar dos entes queridos.
Encontrei-me numa solenidade com José Serra, que era ministro da Saúde, e disse:
— Serra, você já ouviu falar de Alzheimer?
Brincando com sua fama de hipocondríaco, Serra respondeu:
— Já e tenho um medo danado.
Na década dos 1990, nunca chegamos a fazer uma reunião sobre o tema. Uma outra doença, a aids, entrou na ordem do dia. Trabalhei nela apresentando com Sarney no Senado o projeto do coquetel gratuito para os pacientes. Serra, como ministro, fez a batalha internacional pela liberação das patentes, algo muito justo, no meu entender.
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A doença de Alzheimer é diferente de outras. Ninguém sai vivo dela. Talvez por isso a gente se conforme. Mas hoje, depois de três décadas, não limitaria mais a política somente ao apoio às famílias, algo que continua sendo essencial. Há vários problemas precursores, como o leve déficit cognitivo. Talvez facilitar os testes genéticos que levam ao diagnóstico seja um passo importante.
Certamente, o capítulo mais importante é a prevenção. Mesmo que não tenhamos abundância científica de evidências, é possível formular um programa amplo de prevenção. Não sou favorável ao terrorismo alimentar que circula na internet. No entanto parece claro que certo tipo de alimentação favorece a criação de uma teia de obstáculos que bloqueia a comunicação entre os neurônios. O excesso de carboidratos e alimentos superprocessados deveria ser analisado.
Existem hoje alguns programas para prevenir e reverter o declínio cognitivo. Já conhecia os de prevenção e agora tive contato com o livro de Dale Bredesen, que afirma ter revertido o declínio cognitivo em inúmeros casos.
Não é minha tarefa estudar e escolher terapias. O que posso fazer na planície é sugerir fórmulas de política pública. Já temos, felizmente, um Instituto do Cérebro, graças ao grande Paulo Niemeyer. Mas o Alzheimer e outras doenças cognitivas pedem uma abordagem especial.
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Uma entidade com verbas públicas e privadas poderia estudar todas as dimensões da doença, sugerir políticas adequadas, criar cursos de formação de acompanhantes, produzir cartilhas para que idosos e os próprios familiares valorizem os sintomas e façam exames.
Não pensem que escrevo apenas pensando nos entes queridos levados pelo esquecimento. As previsões internacionais dizem que a doença de Alzheimer pode atingir entre 15% e 20% da população de idosos. Isso significa superocupar os sistemas de saúde, ameaçar inclusive a unidade de famílias frustradas por não poderem cuidar dos doentes, em meio às ocupações cotidianas.
Não é, portanto, uma preocupação isolada. O cinema tem tratado de forma direta, como no filme “Meu pai”, com Anthony Hopkins, e muitas outras obras já foram escritas. O que tem de ser superado é a ideia de que não se pode prevenir, até que possamos negar, no futuro, a própria ideia de que não se pode reverter e curar.
Quando encontrar gente com mandato, farei a mesma pergunta que fiz a Serra na década de 1990.
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Por isso é tão importante fazer andar no Congresso o PLP192/2021, de autoria de Carmen Zanotto, “que inclui a mulher cuidadora informal ou atendente pessoal não remuneradas como dependentes de segurados idosos ou com deficiência do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Assim, elas passarão, por exemplo, a ter direito à pensão por morte”, que ainda aguarda tramitação pelo gabinete do Dep. Diego Garcia, relator do Projeto de lei pelo CMULHER. É preciso reforçar a necessidade dessa votação, pois o “trabalho de cuidados” será cada vez mais necessário diante de uma longevidade também cada vez mais dependente de atenção. Um trabalho na maioria das vezes não remunerado, feito por uma esposa ou filha que parou parte de sua vida para se dedicar ao parente debilitado, e que no futuro poderá não ter auxílio algum quando alcançar sua própria velhice.