Márcia Lage
50emais
Quebrei o mindinho do meu pé esquerdo. E foi por justa causa.
Desci o escorregador com dois sobrinhos-netos na frente e dois atrás.
Fui “sanduichada” no meio do caminho e meu dedo virou-se todo para trás.
Não senti dor do outro mundo. Coloquei gelo, passei Tiger Balm, a mágica pomada indiana da qual não me separo e toquei a vida.
Estava no campo, em local sem recursos médicos. Não poderia dirigir até um Pronto Socorro.
Então, segui fazendo o que tinha de fazer: restaurar um jardim imenso nesse sítio e, depois, construir um viveiro e uma fossa de bananeiras num outro sítio, em Conservatória, a terra das serestas no Rio de Janeiro.
Fiquei limitada, claro. Não podia calçar botas e nem subir os altos pastos, onde, desde a pandemia, trabalho no reflorestamento e na implantação de um sistema produtivo de bananas, nas terras pisoteadas e enfraquecidas pelo gado.
Fiquei 15 dias com o pé roxo, inchado, doendinho, dedos imundos no chinelo havaianas, mancando um pouco, mas fazendo o que tinha que fazer.
Final do dia punha o pé esquerdo numa bacia de água quente, com sal grosso e óleo de alecrim. Depois passava pomada para contusão, até poder chegar a um hospital ortopédico, numa cidade grande.
O médico pediu uma radiografia e falou: “A senhora quebrou o mindinho. Agora é só enfaixar e esperar. Vai poder calçar de novo” .
– Quebrou mesmo? Achei que havia só destroncado, porque não doeu demasiado. E dizem que quando quebra dói muito.
– É que a senhora é da roça. É forte! Brincou o médico, novinho como um sobrinho, me despachou rápido, com o pé enfaixado e uma receita de remédios para dor, que não precisei tomar.
É a terceira vez que meus pés me alegram com sua força óssea.
Aos 9 anos de idade saltei de uma ponte para um banco de areia, algo assim de três metros de altura.
Doeu até a alma o impacto com a areia grossa. Mas não quebrei nada.
Só fiquei andando meio troncha por uns 15 dias, no sufoco de “vai ali na venda e volta
num pé só’, e eu guardando segredo da peraltice, para não apanhar.
Depois disso, nada.
Até que aos 60 fui virar o colchão ortopédico de uma cama e ele me caiu sobre o peito do pé direito. Isso doeu muito.
O médico do Pronto Socorro constatou que nenhum osso havia se quebrado. Foi só uma baita luxação.
A pisada voltou ao normal com os escalda-pés de ervas e uma bota de argila que fazia antes de dormir, amarrando um saco plástico sobre o emplastro, para não sujar os lençóis.
Agora fiz o mesmo e o meu pé esquerdo está totalmente recuperado.
O que eu quero dizer sobre isso? Que a vida no campo fortalece os ossos. Que um pouco de medicina caseira ajuda na recuperação de pequenos traumas, físicos e emocionais.
E que é uma alegria sem tamanho chegar aos 68 anos com apenas um dedinho quebrado. Prontamente recuperado sem maiores dramas.
Todo sertanejo é um forte.
A sertaneja que mora em mim me protege.
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