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É preciso orientar estudantes de medicina a optarem pela geriatria, pois o país está envelhecendo rapidamente. E o descompasso é tão grande que a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é um geriatra para cada mil idosos. No Brasil, a média é de um para cada 12 mil.
A geriatria envolve prevenção, tratamento e reabilitação nos aspectos físicos, mentais e sociais. O que se propõe é lançar um olhar mais amplo nessa fase tão especial da vida. Assim como fazem os pediatras no atendimento a crianças e adolescentes. Mas, no caso dos idosos, vive uma espécie de apagão desses médicos.
Especialistas dizem que os cursos também não favorecem a formação de geriatras. Ainda há no país um grande preconceitos contra os mais velhos, embora eles sejam cada vez mais numerosos.
Leia o artigo de Mariana Canhisares e Teo Cury publicado pelo Estadão:
O planejamento para atender ao crescente número de idosos no Sistema Único de Saúde (SUS) tem implicações que vão além da melhoria da infraestrutura dos hospitais públicos. O Brasil tem hoje 2.488 geriatras no SUS, número muito baixo se comparado à proporção recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em vez de um geriatra para cada mil idosos, temos hoje um para cada 12.086. Isso significa que o País precisaria formar hoje cerca de 28 mil novos geriatras para se adequar aos padrões internacionais. Em compensação, temos um pediatra para cada 1.506 crianças e adolescentes de 0 a 17 anos.
Tendo isso em vista, até 2030, quando é esperado que haja uma mudança na pirâmide etária do País, será necessário um esforço conjunto de universidades, governo e sociedade para formar mais geriatras.
Sem exceção, nenhum Estado brasileiro está de acordo com as recomendações da OMS. Nesse cenário, São Paulo, Minas e Rio são as unidades federativas com a maior disponibilidade do médico especialista. Na avaliação do presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), José Elias Soares Pinheiro, essa concentração se justifica pela disponibilidade de programas de residência médica. A região Sudeste tem as grandes escolas médicas, onde há maior oferta da residência nesta especialidade.
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Na avaliação da gerontóloga Anita Neri, o currículo das universidades não apresenta aos alunos disciplinas de geriatria. “Nosso sistema educacional está fundamentado na noção do diploma específico. Os cursos básicos não têm formação voltada para a área do envelhecimento”, explica. “Embora faça parte da lei que a academia ofereça essas disciplinas em todas as suas áreas, na prática, é letra morta”, explica. Para ela, o mercado também não é receptivo à ideia de formar profissionais para atender os idosos.
Não à toa, a formatação do sistema de saúde brasileiro estimula a demanda por especialistas em vez de geriatras. Cardiologistas, reumatologistas e ortopedistas, especialidades associadas às doenças crônicas, tendem a ser a entrada dos pacientes idosos no sistema.
Para o coordenador do curso de especialização em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde (CEAHS) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Walter Cintra, esse hábito não é saudável nem para o paciente, nem para a gestão do sistema. “Ele não pode ficar ‘quicando’ na rede, fazer um pedido de avaliação e só procurar o especialista. Isso tem que ser feito por meio do sistema de regulação da unidade básica de saúde.”
O governo federal tem mecanismos para tentar se adequar à demanda. O Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas (Pró-Residência), do Ministério da Saúde, estimula a criação de bolsas para residentes no SUS conforme necessidades apontadas pela Secretaria de Atenção à Saúde/MS, Comissões Nacionais de Residências em Saúde e Gestores Estaduais e Municipais. A Geriatria, porém, não figura entre as 21 prioridades, das quais fazem parte quatro especialidades referentes ao tratamento da criança.
Para a geriatra Karla Giacomin, o brasileiro com 60 anos ou mais tem de começar a enxergar a velhice em si. “O Estado corresponde à sociedade. Se você tem um indivíduo que não aceita que envelhece, uma sociedade que não admite seu envelhecimento, o Estado não toma conta disso.” Ela analisa que o cidadão idoso não está atento à importância de sua participação na discussão do tema. “Eles estão resistindo, mas na hora de falar, eles têm dificuldade de se posicionar, de ‘peitar’ o Estado.”
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A gerontóloga Anita Neri acredita que a população não pode esperar que providências sejam tomadas. “As próprias pessoas têm que se mexer, não podemos esperar só do governo e das instituições. Uma sociedade amigável para idosos também serve para pessoas de outras idades.”
Diante do rápido envelhecimento e da estrutura dos cursos de Medicina, Pinheiro, presidente da SBGG, acredita que não formaremos a tempo o número de geriatras necessário para atender à população idosa conforme os parâmetros internacionais. Entretanto, ele identifica um interesse crescente de alguns médicos pela atualização para melhor entender as necessidades dessas pessoas.
De acordo com Karla, é crucial que os outros especialistas busquem esses conhecimentos. “De todo o cuidado, o geriatra é apenas um. Precisamos de profissionais multidisciplinares para fazer essa abordagem. O idoso introduz uma novidade no sistema de saúde.”
À espera da regulamentação
Apesar das poucas cadeiras ofertadas para a geriatria no País, duas universidades brasileiras criaram o curso de gerontologia, um novo bacharelado que tem o objetivo de formar profissionais com uma visão geral e abrangente do atendimento ao idoso. O gerontólogo acompanha o envelhecimento do indivíduo, considerando os aspectos social, físico e intelectual desse processo. Cabe a ele aconselhar famílias e profissionais da saúde quanto às melhores maneiras de lidar com as necessidades da terceira idade, sem fazer diagnósticos ou prescrever remédios.
Todos os anos, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e a Universidade de São Paulo (USP) formam, aproximadamente, cem gerontólogos. Para a coordenadora do curso de Gerontologia da USP, a professora Rosa Chubaci, a importância do profissional está na gestão do planejamento do envelhecimento. “Isso tem mostrado uma eficiência muito grande, porque o gerontólogo tem um olhar externo. A ajuda ao indivíduo não é dada exclusivamente por ele, mas por toda uma equipe.”
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Hoje, os mais de 580 profissionais diplomados desde 2005 ainda não são reconhecidos oficialmente no País. De acordo com Rosa, ainda assim, a inserção dos gerontólogos é grande no mercado de trabalho. “Cerca de 60% já está trabalhando. Tendo em vista que é uma profissão nova, é uma vitória.” A coordenadora acredita que a falta de conhecimento sobre a existência desse profissional é o que faz com que aproximadamente 40% ainda não esteja trabalhando na área.
Os que são favoráveis à popularização e ao reconhecimento do profissional por parte do governo e da sociedade já estão se articulando. Há um Projeto de Lei nº 334, de 2013, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que regulamenta a carreira, aguardando votação pelo Senado.
Apesar de haver uma movimentação pela regulamentação da carreira, o tema não é uma unanimidade entre os especialistas em envelhecimento. A gerontóloga titulada pela SBGG Sandra Rabello explica que a entidade ainda não está convencida de que esses profissionais podem atender bem a população idosa. Para ela, o título de especialização, que a SBGG oferece, é essencial para o profissional. “Não somos favoráveis à formação do gerontólogo. O processo de envelhecimento passa por todas as áreas e formar gerontólogos traz engessamento à profissão.”
A SBGG acredita que atrair profissionais de outras áreas e que não costumam discutir as questões ligadas à terceira idade faria com que o tratamento de idosos se tornasse mais multidisciplinar e envolvesse diferentes setores em busca de cuidados a essa população. “Queremos que o interesse em gerontologia chegue a um engenheiro ou a um advogado, profissões que não têm esse debate em suas áreas, por exemplo, para fazer com que eles também se voltem à questão dos idoso.”