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Neste artigo de Márcia De Chiara para o Estadão, ela mostra que, na longa crise econômica que o Brasil vive, agravada com a pandemia, pessoas com idade acima de 60 anos acabaram tendo que ajudar mais nas despesas das família.
Um dos tipos de ajuda foi contraindo crédito consignado, aquele com juros mais baixos, descontado na folha de pagamento.
Isso fez com que o endividamento dos mais velhos crescesse mais do que o de outras faixas etárias da população, reduzindo a capacidade dessa parcela dos brasileiros de arcar com as contas básicas, como de água e luz, por exemplo.
Entre abril de 2019 e abril deste ano, o número de idosos inadimplentes aumentou 34,7%, enquanto a média da população avançou 12,9%, diz o artigo
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A população de inadimplentes idosos cresceu nos últimos quatro anos em ritmo superior ao das faixas etárias mais jovens e à média de todos os brasileiros. O contingente acima dos 60 anos que deixou de pagar as contas básicas foi turbinado pela inflação acima da meta, pelos juros nas alturas e pela atividade econômica fraca — que leva os mais velhos a buscar crédito para socorrer familiares nas despesas do dia a dia.
Entre abril de 2019 e abril deste ano, o número de idosos inadimplentes aumentou 34,7%, enquanto a média da população avançou 12,9%, apontam dados da Serasa Experian, empresa especializada em informações financeiras. No mesmo período, o volume de pessoas negativadas entre 41 a 60 anos cresceu 15,9%; entre 26 e 40 anos, a alta foi de 4,6%, e até 25 anos, de 2,3%.
Em números absolutos, os idosos não são a maior fatia dos inadimplentes. Num universo de 71,4 milhões de brasileiros que estavam nessa condição em abril deste ano, eles somavam 12,8 milhões (ou 17,9% do total). Mas o grupo foi ampliado em 3,3 milhões de inadimplentes nos últimos quatro anos.
Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian, aponta dois fatores que levaram ao aumento expressivo do número de inadimplentes entre os idosos, tendo como pano de fundo a inflação e os juros em alta. O primeiro é a questão demográfica. Ou seja, o próprio envelhecimento da população brasileira fez com que essa faixa etária tenha crescido entre os inadimplentes.
Outro fator é o maior acesso a financiamentos por meio do crédito consignado, aquela linha na qual a prestação do empréstimo é descontada diretamente da aposentadoria. “Em momentos de crise, como a recessão de 2015/2016 e agora na pandemia, normalmente os idosos acabam sendo solicitados a contribuir com o orçamento dos parentes mais jovens que perderam renda”, afirma o economista.
Isso leva os maiores de 60 anos a aumentarem o nível de endividamento, seja no crédito consignado ou nos empréstimos pessoais. “Se um idoso está utilizando crédito consignado, sua renda mensal cai ainda mais e ele pode acabar ficando sem recursos para quitar outras dívidas, com as contas básicas (água, luz, telefone), por exemplo”, diz o economista.
Milton Cavalo, presidente do Conselho de Administração da Sicoob Coopernapi, cooperativa de crédito especializada no atendimento de aposentados, pensionistas e idosos, diz que o idoso não se torna inadimplente devido ao crédito consignado, mas em razão da falta de recursos para pagar outras contas.
Periodicamente, diz ele, a cooperativa faz cursos de educação financeira para os aposentados, a fim de conscientizá-los sobre o uso do crédito consignado. “Mesmo tendo uma taxa mais barata, o consignado deve ser usado em último caso”, frisa.
Comprometer parte da aposentadoria no consignado tem reflexo na significativa inadimplência de contas básicas entre os idosos. Levantamento da Serasa mostra que, diferentemente de outras faixas etárias, as contas de água, luz e gás, por exemplo, representam o principal segmento das dívidas não pagas entre os idosos, respondendo por 39,7% do total de pendências. Na média dos inadimplentes de todas as faixas etárias, as dívidas com contas básicas representam 22%.
“Estou dando prioridade para pagar a conta de água e luz, mas devo no cartão de crédito e no cartão do mercado”, conta o aposentado Moacir Raimundo de Oliveira Filho, de 68 anos. Ele resolveu construir uma casa no terreno herdado pela esposa e recorreu ao crédito consignado.
Pegou vários empréstimos que somaram R$ 50 mil. Resultado: da aposentadoria mensal de R$ 3 mil, ele deixa, por mês, R$ 1,3 mil para pagar os empréstimos. O que lhe sobra não é suficiente para fechar as despesas do dia a dia.
“Vou ao mercado num dia e, no outro, o preço já mudou”, conta. Um dos pontos mais críticos na inflação de Oliveira é o preço dos remédios. Ele toma medicamentos para colesterol, diabetes e pressão alta. Vai ao posto de saúde e não há remédios. Com isso, é obrigado a comprar na farmácia.
Dados da inflação da terceira idade medida pelo IPC-3i, apurado pela Fundação Getulio Vargas, mostram que os gastos com saúde e cuidados pessoais, que incluem remédios, acumularam alta de 9,21% em 12 meses até março. Esse grupo de preços subiu muito acima da inflação geral da terceira idade, que aumentou 4,06% no mesmo período.
Para conseguir comprar os medicamentos e bancar outras despesas, Oliveira acabou usando o cartão e perdeu o controle. No cartão de crédito, hoje ele deve cerca de R$ 8 mil e, no cartão do mercado, mais R$ 3 mil. Ele conta que aguarda o pagamento antecipado do 13º salário dos aposentados para quitar as dívidas. “É a esperança”, afirma.
De olho na antecipação do 13º salário dos aposentados e pensionistas, a Serasa está com uma campanha de renegociação de dívidas para inadimplentes com mais de 60 anos. São mais de 15 milhões de dívidas que estão disponíveis para negociação na plataforma Serasa Limpa Nome (http://www.serasalimpanome.com.br, App Serasa no Google Play e App Store e WhatsApp 11 99575–2096)
Segundo o birô de crédito, 500 empresas de vários segmentos como bancos, varejo, telefonia, prestadoras de serviços de água, luz e gás, entre outros, estão abertos a renegociação das pendências para essa faixa etária, com descontos que podem chegar a 99%.
Uma pesquisa feita pelo birô com 1.754 idosos entre 18 e 23 de maio, revela que 4 a cada 10 brasileiros dessa faixa etária desejam usar a antecipação do 13º para negociar dívidas, e 24% planejam gastar o dinheiro para cuidar da saúde.
“Essa injeção de recursos pode melhorar a inadimplência dos idosos”, diz Rabi. Ele argumenta que a renegociação das dívidas é o caminho mais rápido para sair da lista de negativados. Como, hoje, um inadimplente em geral deve para quatro credores diferentes, é muito difícil pagar todos à vista, argumenta.
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