Giuliana Taglieri*
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Render-se às luzes e sombras do envelhecimento pode ser a chave para um belo bem viver.
Ela chegou na primeira sessão dizendo: “Tenho a terrível sensação de que estou ficando velha, e isso me deixa à flor da pele. É como se eu estivesse mergulhada no infinito do nada.” Já parou para ouvir atentamente alguém que esteja atravessando uma das fases do envelhecimento? Conversar com essas pessoas pode ser uma experiência tanto inquietante quanto inspiradora. Entre elas, algo em comum: uma imensidão de emoções que as atravessa todos os dias. Entre elas, algo diferente: a maneira como cada uma vive essas emoções de maneira singular. Para uns pode ser tormenta; para outros, tédio; para outros, ainda, um grande deleite.
Quarenta, cinquenta, sessenta ou setenta anos. Não há uma idade exata que possa definir o sentimento de estar de fato, envelhecendo. A palavra no gerúndio nos convida a refletir sobre uma das poucas certezas humanas: cada dia vivido é um dia a menos. Um processo contínuo e intenso no qual sentimos os efeitos do tempo esgarçando a pele, e onde, ironicamente, se percebe a presença da morte mais viva que a do nascimento.
As questões que surgem nesta fase são muitas e vão além da superficialidade. A começar pelas mudanças no corpo, frequentemente em descompasso com uma mente extremamente ativa, trazendo uma tensão contraditória: o corpo suplica para reduzir a velocidade, mas a mente resiste em obedecer.
Prostrações, novas dores ou doenças podem transformar o cotidiano em um pesadelo em plena luz do dia. Em outros casos, o oposto acontece: a mente falha e esquece que faz parte de um mesmo corpo, este receptáculo que luta para não sucumbir. Neste novo funcionamento mental, algumas memórias se vão enquanto outras ressurgem com mais força do que nunca, o que por vezes é alento, outras, agonia.
O processo de envelhecimento acarreta mudanças físicas, cognitivas e emocionais. No campo afetivo, medos avassaladores, solidão, desamparo e ressentimentos produzem sintomas comuns no dia a dia como irritações, ansiedades e melancolias, convocando o indivíduo a lidar consigo mesmo em uma nova profundidade, onde muitas vezes ele acaba por projetar seus conflitos internos nas relações externas, tornando o convívio com as pessoas ainda mais desafiador.
Envelhecer é, enfim, uma árdua, porém inevitável passagem. Mas, se mente e corpo não vão pedir licença e a vida não vai parar, o que nos resta? Será que a velhice precisa ser demarcada apenas pelas sombras? Será que envelhecer não seria deixar morrer uma velha realidade e dar espaço para renascer uma nova, com ainda mais luz? Tudo depende de um olhar, ou melhor, de um novo olhar.
Se pensarmos na possibilidade de que não há um horizonte a ser alcançado com uma linha final de chegada, mas que a meta do ser humano é a soma de sua obra inteira, então cada dor, cada limitação e cada experiência vivida compõem esse grande projeto chamado vida. Assim, tentar evitar, reprimir ou lutar contra o que se apresenta só pode tornar a vivência mais difícil. Como já dizia o criador da Psicologia Analítica, Carl G. Jung, “tudo aquilo a que você resiste, persiste.”
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Se não vamos mesmo chegar a lugar nenhum, talvez nos reste aprender. Neste novo olhar que se lança, convidemos a nós mesmos a atravessar os percalços do envelhecimento de peito aberto, encarar as dificuldades como um convite da vida para um novo ritmo, acolher a dor e encontrar significado no sofrimento. Enfrentar a fase final de maneira leve e corajosa, com todas as luzes e sombras que ela oferecer.
Render-se à estas tensões opostas pode ser uma chave surpreendente. Pois, e se nesse infinito do nada existir, paradoxalmente, tudo aquilo que nossa alma sempre buscou, e, exatamente agora, estivermos prontos para conhecer… e ser?
*Giuliana Taglieri é psicoterapeuta junguiana e consultora de pessoas
Participe da Roda de Conversa “Envelhecendo e sendo”
Quando: 14/09/24, sábado, às 11h
Onde: Rio de Janeiro (encontro presencial)
Para maiores informações, entre em contato: +55 11 98253-4863 (whatsapp)
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