Um tema da maior importância é esse da recusa do mercado em admitir pessoas que passaram dos 50 anos. Mesmo com o envelhecimento visível da população, as empresas não estão dando a atenção devida ao trabalhador com mais experiência. O resultado é que, se alguém com idade acima dos 50 perde o emprego, quase sempre tem grandes dificuldades de se reinserir no mercado de trabalho. A pandemia veio agravar ainda mais esse quadro. Mas, nesta reportagem de Fabiana Futema para o Uol, vamos conhecer a história de três profissionais nessa faixa etária que foram bem sucedidas na busca de trabalho.
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Arrumar emprego depois dos 50 anos é muito difícil. Quando se cruza esse limite etário, não é a falta de experiência que joga contra a recolocação no mercado de trabalho, pelo contrário. Na hora de ser eliminados nos processos seletivos, muitos candidatos maduros ouvem dos recrutadores que têm experiência demais para o que a vaga solicita.
Algumas situações chegam a ser ainda piores. “Um recrutador chegou a dizer que queria uma pessoa mais jovem para a vaga. Outros disseram que eu era muito cara, mesmo sem saber se estava disposta a aceitar menos. As empresas pensam que a pessoa vai entrar e sair assim que achar algo melhor”, conta Silvia Pessoa, 60, contratada com analista de marketing da Sanofi pelo Liga Labora, um projeto de inclusão dos 50+.
Pedro Pitella, diretor de Recursos Humanos da Sanofi e um dos embaixadores da Liga Labora, diz que é preciso acabar com os vieses inconscientes que atrapalham a contratação dos profissionais maduros. “As pessoas pensam que a pessoa não vai ser produtiva, não vai se adaptar à tecnologia ou não vai se dar bem com colegas mais novos. Isso tudo é preconceito inconsciente.” Para acabar com esses vieses, Pitella defende o que chama de letramento (ou conscientização) dos profissionais de RH e a seleção às cegas.
Veja abaixo histórias de profissionais que foram contratados com mais de 50 anos:
Solange Valentim, 55 anos, analista de marketplace da Via
Ela começou a trabalhar em maio como analista de marketplace da Via. Antes de arrumar esse emprego, Solange havia ficado parada um ano. Não porque quisesse, mas porque teve dificuldade para se recolocar no mercado de trabalho. Ela havia trabalhado por 14 anos na área comercial de uma empresa de automação.
Solange conta que até era chamada para as entrevistas de emprego. Mas percebia que a idade parecia ser um problema para o recrutador. “Participei de muita entrevista, tanto online quanto presencial. Mas eu sentia que a idade era uma dificuldade. Quando o recrutador olhava para a idade, parecia achar que eu não ia dar conta, que não acompanharia o serviço como outros profissionais. Às vezes, olhavam no meu rosto, eu ficava muito chateada”, conta. “Foi uma luta, um desgaste emocional.”
Tão ruim quanto ser ignorada era quando o recrutador dizia que o seu currículo era bom demais para a vaga. “Ouvi muitas vezes que tinha experiência demais e que por isso não iria parar no emprego por muito tempo. Nem davam uma chance”, conta Solange.
Mas Solange agora está feliz com o novo emprego. “O sentimento de voltar a trabalhar é muito bom. Recupera a sensação de ser produtivo, de ter sonhos e batalhar para alcançá-los. Ficar em casa só te consome.”
A analista diz que trabalhar trouxe ganhos para sua saúde emocional. “Minha autoestima está lá em cima. Eu trabalho em home office, mas me arrumo, passo perfume e faço maquiagem todos os dias. É uma conquista, porque estou batalhando para chegar junto e bater as metas como qualquer outra pessoa da equipe.”
No começo, Solange disse que tinha medo de ter alguma dificuldade com o trabalho. “Mas me surpreendi, acho que estou aprendendo as novas funções no mesmo ritmo das pessoas que chegaram junto comigo. Ainda tenho muito para aprender e progredir.”
Silvia Pessoa, 60, analista de marketing da Sanofi
Ela já estava no mundo corporativo havia 30 anos, quando saiu da empresa. Isso foi em 2014. Na ocasião, Silvia não achava que teria dificuldade para conseguir nova colocação, já que tinha muita experiência e uma boa rede de contatos. Afinal, tinha sido diretora de RH.
“Mas encontrei a dificuldade que todo profissional 50+ tem. Mesmo tendo um bom currículo, uma segunda e uma terceira língua, não conseguia me recolocar no mercado. Isso durou um ano.”
Neste período, Silvia disse ter ouvido todo tipo de desculpa de recrutador. “Infelizmente, um chegou a dizer literalmente que queria uma pessoa mais jovem para a vaga. Outros me disseram que eu era muito cara para a vaga, mesmo sem saber se estava disposta a aceitar menos. As empresas pensam que a pessoa vai entrar e sair assim que achar algo melhor.”
Ela chegou a ser orientada a omitir a idade e experiência no currículo. “Amigos me aconselharam a tirar a idade, o ano de formação. Mas do que adianta? Se o currículo mostra que comecei a trabalhar em 1980, vão saber que sou 50+. E não quero me colocar assim.”
Percebendo que a recolocação não seria tão fácil, Silvia colocou em prática um plano B de carreira. “Comecei a olhar para outros rumos e fui atrás de meu propósito pessoal. Fiz pedagogia com 50 e poucos anos, me formei em 2019. Aí, eu fui pra para a área acadêmica: comecei a dar aula em gestão e de várias outras disciplinas.”
Foi depois de virar professora que ela ficou sabendo do Labora, um projeto de inclusão de profissionais 50+. “Conheci o projeto, me interessei, fiz as capacitações que ofereceram e me candidatei para uma vaga com esse perfil”, afirma Silvia.
Qual o grande ganho de voltar a trabalhar dentro de uma empresa? “Acho que é a convivência social com outras faixas etárias. Essa convivência nos mantém ativos. Se me relacionar apenas com pessoas da minha idade, posso cair numa situação de comodidade. Quando lido com os mais jovens, aprendo com eles, aprendo um novo linguajar. E também me sinto ativa, produtiva e feliz porque sei que posso ajudar, agregar, ensinar.”
Para ela, uma coisa que a maturidade trouxe foi o conhecimento de que é possível desempenhar vários papéis, tanto na vida profissional como pessoal. “É possível conciliar dois mundos, dois propósitos. Gosto muito desse projeto, que me permite voltar a estar no mundo corporativo, e gosto de poder dar aulas. É possível ser professor e ter outro trabalho, é possível estudar e trabalhar ou trabalhar e ser avó.”
Além disso, Silvia diz que é preciso mudar a visão que se tem das pessoas 50+. “Os 50+ de hoje estão em plena atividade, com mais saúde e vivendo mais. A realidade não é a mesma de 50 anos atrás, quando essa pessoa já estava perto de se aposentar.”
A vida profissional parou? “Não mesmo. Meu sonho é continuar trabalhando por muitos anos, quem sabe em uma posição melhor. Não tenho vontade de me aposentar.”
Dilene Silva, 57, gerente sênior de capital humano da Deloitte e líder do pilar 50+
Ela foi contratada aos 54 anos pela Deloitte. “Vim para quebrar dois paradigmas. Quem trabalha em consultoria, sabe que a cultura dela é a de formar profissionais, desenvolver carreiras. As pessoas ficam muito tempo no trabalho, por isso são contratadas mais jovens. O segundo é que trouxe uma experiência nova para minha área, pois vim do comercial.”
Segundo Dilene, o que contou pontos para sua contratação foi justamente a possibilidade de agregar seu conhecimento para o setor. “A área precisava desenvolver novos negócios e eu tinha esse background do setor comercial. Vim para desenvolver o mercado.”
Sempre foi fácil? Não exatamente. “Tive que quebrar algumas pedras, superar algumas restrições, vencer alguns obstáculos, mas vim bem-sucedida. Eu estava trabalhando numa consultoria de educação corporativa e um fator que facilitou minha vida é que tinha uma diretora que conhecia meu trabalho, minha competência pregressa. Mas sim, eu estava empregada e troquei de emprego. Não estava parada.”
Dilene diz que o fator idade não foi um empecilho para seu novo emprego. “Embora fosse a pessoa com mais idade, eu trouxe inovação para o grupo, desenvolvimento de negócios, ações de marketing.”
Por isso, ela se sente respeitada não apenas pela idade. “Posso dizer que me sinto acolhida e respeitada não apenas porque se deve respeitar uma senhora de 57 anos, uma avó de 57 anos, mas pelo meu trabalho. Porque eu agrego, trago conhecimento para minha equipe. Não tinha ninguém antes com meu conhecimento na equipe e sou reconhecida por isso.”
Dilene é uma das responsáveis pelo pilar de diversidade 50+ da Deloitte. “Estou nessa luta dos maduros. E represento não apenas os 50+, mas a intersecionalidade: sou mulher, acima de 57 anos, de origem periférica. Acordei para isso quando recebi o convite da Angela Castro [diretora da Deloitte] para trabalhar aqui. Até então, via a idade como algo inexorável, que iria chegar para todo mundo.”
Ela também não pensa em pendurar as chuteiras. “Eu poderia parar de trabalhar? Ainda não, trabalho porque preciso. Mas não me vejo de nenhuma maneira em casa sem trabalhar. Se tiver que fazer uma transição, me vejo fazendo algo mais voltado para o terceiro setor.”