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Marina Lima, 68, está de volta aos palcos com o show Rota 69, para celebrar seus 45 anos de carreira. A cantora, que escolheu o Rio para sua estréia, vai se apresentar em várias cidades do Brasil.
O nome do espetáculo tem a ver com a idade de Marina, que fará 69 anos em setembro e também com Rota 66, estrada famosa nos Estados Unidos, país onde ela viveu, que deu, inclusive, título a uma famosa série de televisão.
“Sessenta e nove é um número engraçado, por causa da placa (da estrada) e por causa do número mesmo, que remete a outras coisas interessantes”, provoca Marina, que reune no show canções de seus 21 discos, num roteiro feito para “levar as pessoas junto na minha viagem musical”. diz ela.
A cantora mostra que está vivendo um ótimo momento: “As dívidas, os arrependimentos, essas coisas que atormentam o ser humano, até onde eu saiba, estão pagas e resolvidas,” garante.
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São 68 anos de idade, 45 de carreira, e uma certeza: entre coisas boas e ruins pelas quais passou, a maturidade, a música e os amigos que escolheu são hoje tudo o que importa na vida. Marina Lima está em paz consigo mesma e, depois de algumas apresentações de “Nas ondas da Marina” (show que a trouxe de volta aos braços do público, com um repertório definido a partir da relação afetiva que seus ouvintes mostraram ter com suas canções durante a pandemia), ela abriu nesta tarça-feira, no Teatro I Love Prio, no Jockey Club, na Gávea, na Zona Sul do Rio, a turnê “Rota 69”.
— As armadilhas, as quedas, as coisas que há no meio do caminho, você absorve, entende, aceita, se perdoa depois de um tempo, e segue em frente — filosofa ela. — A partir dos 55 anos, eu fui entrando nisso. E agora, perto dos 70, eu tô totalmente assim. . As dívidas, os arrependimentos, essas coisas que atormentam o ser humano, até onde eu saiba, estão pagas e resolvidasEstou num outro momento, o meu público cresceu de novo, minha voz voltou já tem algum tempo e não estou mais preocupada com isso.
Depois de alguns anos andando com as próprias pernas, a cantora agora conta com a parceria profissional de Candé Salles: ex-namorado, grande amigo e diretor do documentário “Uma garota chamada Marina”, de 2019.
— Ele falou: “Vamos bolar um show para essa gente nova, que adora o seu trabalho, mas não tem ideia do que você já fez!” — conta. — Eu não tenho esse espírito de retrovisor, mas, quando ele me pediu isso, eu entendi o que ele queria e resolvi fazer o melhor que podia. Então foi maravilhoso, porque bolamos um show que eu não bolaria sozinha, porque eu gosto mais é de compor, gosto mais é do estúdio. O que me interessa é a música. Estou muito feliz com o show, ele me inspirou e me encomendou uma direção, um desafio que gostei de enfrentar.
Candé, que trabalhou com Renato Gonçalves e Fernando Muniz, especialistas em Marina, para elaborar o roteiro, conta o que quis do “Rota 69”:
— Apesar de ter 48 anos, ainda sou um cara que sai para a noite. E eu vejo uma garotada de 20 e poucos anos dançando “Fullgás”, “Uma noite e ½” e “Pra começar”. O fato de vários DJs terem remixado essas músicas e elas estarem tocando na pista de dança hoje fez esses jovens olharem para ela. Aí eu propus: por que a gente não faz um show baseado na sua estrada?
“Rota 69” se refere, claro, à Rota 66 — mítica estrada que liga Chicago a Los Angeles, imortalizada na cultura pop —, mas também à idade que Marina terá depois do dia 17 de setembro.
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— Sessenta e nove é um número engraçado, por causa da placa (da estrada) e por causa do número mesmo, que remete a outras coisas interessantes — provoca ela, que reunirá no show canções de seus 21 discos, num roteiro feito para “levar as pessoas junto na minha viagem musical, com pique e tesão, sem camuflar ou mentir a história, em um show louco, mas na medida”. — Tem muitas músicas minhas com Cicero (o irmão, poeta e imortal da ABL Antonio Cicero) que falam de estrada, de busca.
A ideia é a de botar em exposição a visão “libertadora, divertida” de seu repertório, com as músicas que compôs ou que simplesmente escolheu para fazer parte de seus álbuns:
— Tenho também uma época em que fiz alguns discos tristes, em que eu fiquei com depressão. Mas mesmo ali, em que eu podia estar triste e um pouco sem voz, as mensagens das músicas, só minhas ou com Cicero, sempre foram muito no sentido de não perder a coragem, de não se entregar. Eu gosto da minha trajetória, ainda mais agora em que estou num outro momento.
Além dos hits esperados (sim, os que a garotada tem curtido e mais “À francesa”, “Virgem”, “Eu não sei dançar”, “Mesmo que seja eu”, “Eu te amo você”), estarão lá “Charme do mundo”, “Acho que dá”, “O lado quente do ser” (gravada por Maria Bethânia), “Beija- flor” (regravação de canção da Timbalada, sucesso com Marina nos anos 1990), “Pierrot”, “Nada por mim” (de Herbert Vianna e Paula Toller), “Me chama” (Lobão) e “Nem luxo nem lixo” (Rita Lee), entre outros. E, além disso tudo, algumas boas novidades, como a recriação da novíssima “Lunch”, de Billie Eilish.
— Eu trouxe esse show para o agora! — garante Marina.
Pela primeira vez na vida com um patrocínio (da Prio), Marina conta que pôde montar banda nova e passar um mês ensaiando. Estão nela velhos parceiros, todos radicados no Rio de Janeiro (a sua cidade, que deixou em 2010 para viver em São Paulo), como os guitarristas Gustavo Corsi e Giovanni Bizzoto (parceiro da cantora no hit “O chamado”), o baterista Alex Fonseca, e novas caras, como a da dançarina Carol Rangel e a baixista/tecladista Carol Mathias, da dupla Troá, destaque da nova cena do pop alternativo carioca.
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— É a primeira vez que eu tenho uma mulher tocando comigo na banda, e ela toca muito. Isso significa muito para mim, porque venho já há alguns anos conhecendo algumas mulheres muito boas de música — anima-se Marina. — Quando conheci a (DJ e produtora da periferia paulistana) Badsista, eu me vi jovem. Quando comecei, eu era tipo ela: marrenta, achando que sabia tudo, mas sempre aberta a ideias.
Amiga do rapper dos Racionais MC’s Mano Brown, seu antigo fã (com quem, por sinal, gravou em 2021 a música “Nóis”, no EP “Motim”), Marina diz adorar Ludmilla e Alice Caymmi e mantém colaborações com Letrux (“Fui atraída pela loucura dela”) e com Filipe Catto, com quem cantou na Praia do Leblon no mês passado e que foi uma das primeiras pessoas que ela conheceu quando se mudou para São Paulo.
— Tem uma música que eu fiz para o Candé, chamada “Partiu”, que eu dei para ele (Filipe ainda não havia feito a transição de gênero) gravar — recorda-se.
Mesmo pouco afeita a celebrar feitos passados, Marina não esconde o orgulho quando lembrada que o LP “Fullgás”, que consolidou o seu sucesso, em plena ascensão do movimento do rock brasileiro (e cujos hits foram a faixa-título, “Me chama” e a regravação de “Mesmo que seja eu”, de Erasmo Carlos), está completando 40 anos em 2024.
— Anos atrás o mundo não era tão aberto ao ouvir as mulheres, ainda mais as que chegavam com mensagens e um estilo de música um pouco diferente — diz. — Tinha certeza de que (“Fullgás”) era aquilo que eu tinha que fazer, e o que me deixou feliz é que as pessoas foram entendendo e, com os anos, esse disco foi ganhando adeptos.
Músicas novas
Hoje em dia, o que Marina Lima quer saber mesmo é de músicas novas:
— Daqui a um tempo, quando essa turnê acabar, vou dar uma sumida, porque preciso compor. Eu não sou aquela pessoa que compõe nos intervalos, tenho ideias, mas para organizá-las preciso parar. O que me mantém é a música, principalmente a interna. Adoro ficar em silêncio, tocando. Aprendi música eletrônica para isso, mexer no computador, programar e ter uma banda sozinha.
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Mas sempre haverá tempo para os amigos, como o cineasta Esmir Filho. Marina, que ia apenas fazer a trilha de “Baleia”, filme dele de 2020, acabou entrando como atriz.
— Cada encontro com essa gente louca é assim, vai pirando comigo e me envolvendo mais — resigna-se ela, que acabou contracenando no longa com Andréa Beltrão, amiga de muitos anos, com quem por sinal dividiu, 41 anos atrás, o filme “Garota Dourada”, de Antônio Calmon. — Mas, olha, não pretendo voltar tão cedo (à atuação), essa foi para o Esmir, entendeu?
Veja o trecho da entrevista que Marina deu para o Estadão: