Eu vou completar 69 anos em alguns dias. Tenho uma passagem marcada para Londres no próximo dia 23 de abril. Por isso estou acompanhando com muita atenção a evolução da situação do novo vírus corona. Como o vírus continua se espalhando, pretendo adiar a viagem. Embora seja uma pessoa saudável – não tomo qualquer remédio, nem para a pressão — e me sinta em forma, não quero correr riscos. Essa é uma decisão pessoal. Há quem não se importe e continue viajando. Mas tenho dúvidas – e um pouco de medo, confesso. Assim, prefiro adiar a viagem, caso o quadro mundial siga se agravando. Os idosos, como mostra esta matéria de Rafael Garcia para O Globo, estão no grupo de maior risco.
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“Sou idosa de 63 anos, tenho problemas respiratórios crônicos, com medicação de uso contínuo. Estou muito bem, porque me trato, e quero continuar assim.” Foi desta forma que Eliane defendeu, em um site de reclamações do consumidor, a decisão de cancelar uma viagem de cruzeiro por causa do coronavírus.
O medo que a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, desperta entre as pessoas mais velhas não é infundado. Os casos registrados até agora na China dão um indício claro de que os idosos são a população mais vulnerável.
Quando a epidemia atingiu 72.314 casos no país, o Centro de Controle de Doença (CDC) da China publicou um estudo mostrando que 2,4% dos pacientes acabaram morrendo. Quando considerados pacientes de 70 a 79 anos, porém a taxa de letalidade sobe para 8%, e entre os pacientes com mais de 80 anos, 14,8% dos casos resultaram em morte.
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Quando feito um levantamento por ocupação, também, o risco para a terceira idade fica claro: 8,9% dos aposentados que contraíram o vírus morreram.
Doenças simultâneas
Um fator de risco para agravamento da infecção pelo novo vírus também impacta diretamente os mais velhos: a “comorbidade”, ou presença de outras doenças sobrepostas à Covid-19.
— A população mais vulneravel é a população acima de 60 e 70, que coincide com as pessoas que tem comorbidade. São pessoas que já têm diabetes, hipertensão ou problemas de obstrução respiratória — explica o epidemiologista Alexandre Kalache, do Centro Internacional de Longevidade, do Rio.PUBLICIDADE
A taxa de letalidade foi de 10,5% entre portadores de doenças cardiovasculares e de 7,3% para diabéticos, por exemplo, doenças com maior prevalência na população idosa. Os números estão em um estudo que dois médicos do CDC chinês publicaram no JAMA, o periódico acadêmico da Associação Médica Americana.
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Uma preocupação em especial são as residências coletivas de idosos.
A missão médica que a ONU enviou à China em fevereiro para estudar a epidemia listou em seu relatório três tipos de instalações onde ambientes fechados favoreceram o espalhamento do vírus: prisões, hospitais e casas de repouso. Pela vulnerabilidade dos potenciais infectados, essa terceira categoria de estabelecimento representa, de longe, aquela onde medidas de contenção são mais importantes.
— Mas a resposta imediata não deve ser isolar essas residências. É tomar as precauções mais básicas para que as equipes de cuidados estejam muito atentas: lavar as mãos, lavar a mãos, lavar as mãos — diz Kalache.
— A segunda coisa é, se possível, educar as pessoas mais velhas para não apenas lavar as mãos, mas também evitar colocar as mãos nas mucosas dos olhos, do nariz, da boca… Como você vai explicar isso para uma pessoa que tem demência, por exemplo? É complicado. — conta o médico.
O coronavírus atingiu ao menos uma residência coletiva para idosos na China (de local não revelado no relatório da OMS) e outra no estado de Washington, na costa Oeste dos EUA, onde teve efeito devastador. O asilo, na cidade de Kirkland, teve nove casos de Covid-19, seis deles resultando em morte, informa a imprensa local.
Em razão da gravidade do surto no estado de Washington, a prefeitura da capital Seattle recomendou a toda a população acima de 60 anos que fique em casa até a situação epidemiológica ser mais bem compreendida.
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Fora dos asilos
Segundo Kalache, a preocupação com os idosos do Brasil, porém, não se resume a casas de repouso.
— Só 6% dos município têm residências para idosos ou instituições de longa permanência — conta. — A imensa população idosa carente, vulnerável, com incapacidades, está vivendo em meio à comunidade, vivendo bem ou vivendo mal, e 83% dos idosos no Brasil dependem única e exclusivamente do SUS. Eles não tem plano de saúde.
Na opinião do epidemiologista, o governo está tomando algumas medidas corretas, mas é preciso ir além.
— Achei uma ideia muito boa antecipar a vacina da gripe, porque voce vai ter menos pessoas fragilizadas pela comorbidade com gripe, mas acho que se deveria também procurar intensificar a vacinação contra o pneumococo, uma bactéria oportunista que causa pneumonia nos os fragilizados — afirma. — Esta vacina não está sendo oferecida, a não ser para alguns grupos de alto risco, e seria uma boa ideia o Ministério da Saúde começar a pensar nisso.
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A despeito do pânico que se disseminou entre os idosos, Kalache, com 74 anos, está levando a sério a abordagem que defende, de intensificar as barreiras cotidianas ao vírus, usando a higiene, mas sem restringir sua locomoção.
— Eu estou numa idade bem de alto risco, e segunda-feira (9) estou indo para Portugal, de lá vou à Espanha em um compromisso de trabalho. É uma decisão pessoal, porque estou saudável, não estou me colocando na situação fragilizada de tantos outros idosos — conta. — A gente tem que relaxar um pouco. Vamos continuar com a vida, tomando precauções, mas não vamos ficar paranoicos.