Márcia Lage, 50emais
O ator Alexandre Borges, 55, abandonou carreira, casa e família para cuidar da mãe, de 82 anos, que sofria do mal de Alzheimer. Mudou para a casa dela, em Santos, no litoral Paulista, e desde 2019 viveu exclusivamente em função da matriarca (ela morreu em setembro), que além da doença ainda quebrou a bacia, acidente comum na velhice.
O ator não é o único homem a tomar para si os cuidados com a mãe idosa, e isso é um sinal de que alguma coisa evoluiu no comportamento masculino. De uma maneira geral, parece-me que há no coração dos brasileiros um respeito filial que sobrevive ao avançado estado de decomposição de nossa sensibilidade, afetividade, solidariedade e respeito nos dias atuais. Com dinheiro ou sem dinheiro, são raras as famílias que levam seus pais para asilos ou casas de repouso no fim de suas vidas.
Normalmente esses cuidados gerontológicos ficavam a cargo das filhas, nas famílias de farta prole que caracterizavam os lares brasileiros do século passado. A partir dos anos 1960, com a descoberta da pílula e os movimentos feministas, as famílias se encurtaram, com média de dois a três filhos, no máximo. O homem evoluiu um pouquinho na mudança de século, e se ainda deve muito respeito à mulher, valoriza a mãe. O modo diferente como a midia trata feminicídio e parricídio neste país reflete muito bem a cultura brasileira do afeto filial, e é disso que quero falar.
Quero abordar, especificamente, o viés pouco estudado dos homens que cuidam das mães velhinhas, como Alexandre Borges e Tarcisio Meira Filho, que também se desdobra no apoio à atriz Glória Menezes, sobrevivente da Covid e viúva recente do marido Tarcisio Meira.
Homens comuns vêm fazendo o mesmo há alguns anos, e é preciso valorizar isso, numa sociedade machista como a nossa. Conheci, há mais de oito anos, um dentista mineiro, ele próprio já maior de 60, que abandonou todos os projetos de abraçar a fotografia após aposentar-se, para cuidar da mãe de 83 anos. Embora não vivessem na mesma casa, ele levou anos acompanhando o desenvolvimento da demência materna, etapa por etapa, até o desfecho final. Já era um velho quando tudo acabou e agora espera que a única filha cuide dele quando chegar sua vez de não reconhê-la mais.
Enquanto isso, trata de retratá-la com a intensidade com que retratou a mãe, na esperança de que seus arquivos fotográficos o ajudem a não perder a memória.
O jornalista Eduardo Campos também abandonou um doutorado em Portugal para dedicar-se à mãe, quando ela teve diagnóstico de demência em dezembro de 2005. “O sorriso de uma mãe vale mais que qualquer tese acadêmica”, disse-lhe o orientador, em apoio à sua decisão de não concluir o trabalho final, já em andamento.
Apesar de ele ter mais três irmãos, não houve acerto na distribuição das tarefas. De início ele levou a mãe para a casa dele, mas depois alugou um apartamento em frente e a alojou com mais conforto, junto a cuidadores e empregados.
Dudu trocou o estudo acadêmico para um curso de Gerontologia, entrou para um grupo de apoio a familiares e viveu experiências com pessoas que lhe acalmaram e ensinaram a conviver com a decrepitude mental da mãe, que morreu no ano passado, chamando-o carinhosamente de “meu Diamante”.
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O problema, para essa geração de jovens-velhos que cuidam de seus pais, é que para eles a realidade será outra. As famílias são cada vez menores, é grande o número de divórcios e maior ainda o número de solteiros. Quem cuidará deles?
O Brasil não só não se preparou para atender à demanda futura de sua população idosa, como retira direitos a cada reforma da previdência. A política do cada um por si e o governo para os poderosos faz com que a iniciativa privada invista sozinha em projetos de atenção à saúde, condomínios para a terceira idade e casas de repouso cujas mensalidades ultrapassam em muito o teto das aposentadorias pelo INSS. Quem vai segurar a mão dos homens e mulheres que hoje cuidam dos seus pais, quando chegar a hora deles e não houver parentes nem programas governamentais que possam ampará-los?
Eduardo Campos confessa que vive pensando nisso. “A questão financeira é decisiva. Claro que do ponto de vista material, não afetivo. Meu período de vida que poderia me assegurar um futuro mais tranquilo foi aquele em que cuidei de mamãe. Minha aposentadoria, em 2023, vai ser em torno de 3.900,00 reais. Já pensei até em deixar minhas coisas em testamento, para uma pessoa que se disponha a cuidar de mim. Não tenho nenhum prurido em abreviar as coisas também. Só não sei se teria coragem”.
Veja a bonita história do ator Alexandre Borges com a mãe:
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