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Novo normal?

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Foi uma cobertura frenética do processo de indenização (de Luiza Brunet). As agressões mesmo, ficaram em segundo plano, virou coisa ‘normal’

Ingo Ostrovsky, 50emais

Você já deve ter se deparado com ecos do debate atual sobre o “novo normal”, nome escolhido para definir nossa vida depois da pandemia. Eu ainda não consigo imaginar como será. Hoje tenho a impressão de que viveremos sempre de máscara, mantendo distanciamento e frequentando ambientes com lotação limitada. Cinemas, teatros, shows, exposições, museus, toda a nossa cultura de aglomeração está ameaçada, ninguém ainda conseguiu me fazer entender direito esse novo amanhã.

Paralelo a isso vejo uma porção de aberrações se transformarem em coisas que os cronistas da política e dos costumes chamam de normalizadas. Ficou ‘normal’ ter um presidente boca suja, que não economiza palavrões da pior espécie, palavreado esse que, por sua vez, é impresso ‘normalmente’ em jornais e revistas como se fosse poesia. Essa normalização, por assim dizer, vem da repetição: o sujeito fala tantos palavrões que ouví-los deixou de ser ‘anormal’, deixou de ser surpresa, dele não se esperam belas palavras.

Ao mesmo tempo, o que começou como uma saudável denúncia de comportamento vil se tornou ‘normal’: toda semana vemos cenas de violência contra mulheres e, apesar da revolta geral, a coisa vai se ‘normalizando’. Novas vítimas aparecem sendo estapeadas, socadas, chutadas, cuspidas, empurradas, sangradas – com frequência na frente das crianças.

Me lembro das imagens de uma balconista de lanchonete sendo violentamente agredida aos socos por um cliente que recebeu o sanduíche com o molho trocado. Será que virou ‘normal’ agredir quem se engana na hora do recheio? E a balconista que pediu a um cliente para usar a máscara? Foi solenemente agredida, teve que fugir da loja onde trabalhava, quebrou um braço… e a cena de tornou ‘normal’.

Esta semana ficamos conhecendo um DJ que agrediu a ex-esposa. Ele chegou a ser preso, no Ceará, acabou ganhando seguidores nas redes sociais e vai ter alguma dificuldade em conseguir patrocínios. Ficou famoso onde não era conhecido. Minha dúvida é se ele vai mudar de atitude depois do episódio. Você vê, até eu já estou normalizando a coisa, chamando a covarde agressão de ‘episódio’…

A coragem das mulheres que denunciam esses agressores contrasta com a postura – até de certas mulheres – de que “alguma coisa ela fez…”

Veja o caso da Luisa Brunet. Nunca me cansei de aplaudi-la desfilando na Imperatriz Leopoldinense, uma verdadeira rainha de bateria: animada, elegante, respeitosa, linda de morrer, longe de ser vulgar e, coisa rara, uma mulher admirada por outras mulheres. Pois ela apareceu de rosto inchado e olho roxo, denunciou agressões de seu namorido, incentivando outras vítimas a fazer o mesmo. O que se viu, entretanto, foi uma cobertura frenética do processo de indenização. As agressões mesmo, ficaram em segundo plano, virou coisa ‘normal’. Mesmo assim, La Brunet segue denunciando abusos, virou destaque também nessa avenida.

O agressor vira notícia. Em alguns casos, passa a ser visto como mais importante do que a agressão. A sequência de atos violentos não dá sinais de parar ou diminuir. Será que os homens estão apreendendo alguma coisa?

É impressionante as enormes vitórias que o movimento das mulheres conseguiu nos últimos 30/40 anos. As coisas mudaram para melhor, a sociedade não aceita mais como ‘normal’ a exploração das mulheres pelos homens. Mais recentemente, o Me Too dramatizou de maneira eloquente a questão do assédio moral e sexual. Me chama a atenção, entretanto, a ausência de agressões físicas nas denúncias do Me Too. A violência física só aparece quando relacionada à agressão sexual, quando os homens atacam as mulheres querendo estuprá-las.. Será que tapas e socos gratuitos é privilégio dos machos brasileiros?

Quando eu era adolescente aprendi que “numa mulher não se bate nem com uma flor”. Mentira. Grossa mentira. Uma mentira ‘normal’.

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