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Nunca entendi plenamente por que muitas mulheres escondem a própria idade. Sempre achei que é vaidade em excesso aliada à escassez de autoestima. Por isso fiquei muito surpresa quando tomei conhecimento que uma das nossas maiores escritoras, a sempre amada e admirada Lygia Fagundes Telles, falecida recentemente, diminuía cinco anos nas muitas décadas em que viveu entre nós.
A escritora paulista dizia ter nascido em 1923, em vez de 1918, como consta em documentos a que o jornal Folha de São Paulo teve acesso. A conclusão da autora do excelente texto abaixo, a escritora Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar, é que “não seria de se estranhar que (Lygia) temesse que o peso dos números afetasse o julgamento sobre ela.”
Ou seja, tudo leva a crer que a incomum Lygia Fagundes Telles, como tantas mulheres comuns, receava o sempre presente preconceito de idade (https://50emais.com.br/fafa-de-belem-a-partir-dos-50-vao-vestindo-uma-capa-de-invisibilidade-na-gente/), tão anacronicamente marcante nos dias de hoje, sobretudo quando se trata da mulher.
Leia o texto de Vera Iaconelli:
Se o adjetivo gordo deixou de ser pejorativo para ser alçado a uma qualidade entre outras, o mesmo não se pode dizer de velho.
Idoso, então, só é aceitável para se estacionar em lugar prioritário, ou pagar meia entrada. Mesmo assim, há quem decline do direito em prol da discrição.
Idosa e velha tem ainda um tom mais nefasto em função do gênero feminino.
Vale relembrar que o filósofo Paul Preciado avalia em anos o valor que o homem e a mulher passam a tem quando voltam ao mercado amoroso-sexual depois do divórcio com filhos. Para cada filho, cujos cuidados recairão majoritariamente sobre a mulher, ela deve acrescer alguns anos a mais do que o homem nas mesmas circunstâncias. A lógica só se modifica quando as mulheres se voltam para o mundo lésbico, no qual as senhoras permanecem em alta. Entre homens gays, no entanto, é comum a queixa de que o envelhecimento é visto de forma impiedosa.
Segundo reportagem da Folha, Lygia Fagundes Telles teria driblado cinco anos de sua biografia,relatando ter nascido em 1923 em vez de 1918, como consta em documentos acessados pela reportagem. É comovente que uma mulher considerada imortal pela grandiosidade de sua obra sentisse necessidade de alterar a própria idade. Embora não possamos jamais saber as suas razões, não seria de se estranhar que temesse que o peso dos números afetasse o julgamento sobre ela.
Se você diz que tem 60 anos, a resposta esperada é “nossa, nem parece.” O que nos obriga a completar a frase com “nem parece uma velha de 60 anos.” Como a linguagem é o que dá acesso aos fatos, o número gera um novo olhar em busca das marcas que o corroborem, escrupulosamente escondidas por ginástica, roupas, cremes, maquiagens, intervenções e cirurgias. Onde pairava a possível atração, passa a valer o escrutínio numérico da idade, cravando expectativas que vão do “nem parece” ao “está acabada.”
Em uma época em que a obsolescência programada é o motor do consumo e da lógica das relações, nada mais coerente do que imaginar a velhice como um demérito, quase um desvio de caráter. Que a crítica seja implacável com as mulheres se justifica pela redução aos significantes sexual e reprodutivo, inversamente proporcionais à passagem dos anos. Marieta Severo agitou a cabeleira branca para lembrar aos jovens que o espelho não lhes dará nada além de miragens e que a possibilidade de manter-se lúcido e atuante é uma razão pela qual vale continuar. A força de suas palavras não deixa dúvidas sobre o vigor de Severo.
Minha mãe, do alto dos seus 95 anos, me diz indignada: “O médico me indicou um remédio para o olho para o resto da minha vida!”, reforçando, com o movimento das mãos, que se trataria de décadas e décadas. Não duvido. Ela faz parte do grupo das idosas, cuja inteligência e memória permanecem intactas, assistindo aos rateios do corpo com espanto e inconformismo.
Vivemos mais do que os homens, mas, entre as mulheres, as negras vivem muito mais do que as brancas. Fato que fica escancarado diante das filas de vacinação contra covid, que sempre começa com os nonagenários. A maioria é escandalosamente branca, pois a longevidade depende do acesso à saúde, à moradia, à aposentadoria e à segurança de qualidade.
Vida longa a todas as mulheres, as vaidosas e as nem tanto, as que alardeiam sua idade e as que a escondem, enfim, as que fazem o que quiserem com os limões da contemporaineidade.
Para aquelas que têm o privilégio de envelhecer no país do absoluto descaso com o idoso – principalmente negro – que o façam com puderem e quiserem.