Volta e meia a gente vê reportagens como esta, mostrando como as pessoas estão vivendo mais e com mais qualidade de vida graças aos enormes avanços da medicina, principalmente. “Eu era estudante de medicina quando se falava em marca passo, e hoje temos os stents. A catarata era um perrengue, hoje a cirurgia é tranquila. Os aparelhos para evitar surdez são moderníssimos. Além disso, foram desenvolvidos tratamentos para conter obesidade, tabagismo, pressão arterial, diabetes. O número de medicações também cresceu enormemente,” afirma Dr. Alexandre Kalache, médico que é um dos maiores especialistas em envelhecimento do Brasil. Também contribui para a longevidade, o fato de estarmos mais conscientes da importância do exercício físico e da alimentação para um envelhecimento saudável.
Leia a reportagem de Constança Tatsch para O Globo:
Em 1940, a expectativa de vida média do brasileiro era de 45,5 anos. Pois foi precisamente naquela década que nasceram os homens e mulheres que dão a cara à revolução na qual vivemos hoje: os octogenários cheios de vida. Representados nesta reportagem por personalidades como os atores Rosamaria Murtinho, Mauro Mendonça, Renato Aragão, o empresário Abílio Diniz e os médicos Angelita Habr Gama e Joaquim Gama Rodrigues, eles demonstram que não só estamos vivendo mais, mas também muito melhor. Os octogenários de hoje são ativos e vivem plenamente.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016 o Brasil tinha 3,4 milhões de idosos com mais de 80 anos. Projeções indicam que hoje já seriam 4,2 milhões. E o número de octogenários segue crescendo. Em 2060, acredita-se que serão 19 milhões.
Todo mundo quer uma vida longa. Mas, sobretudo, todo mundo quer viver bem. Para o epidemiologista Alexandre Kalache, do Centro Internacional de Longevidade, do Rio, os idosos têm hoje outro papel na sociedade.
— Queremos envelhecer não no aposento, que inspira a palavra aposentadoria, mas na sala da frente. Quando nasci, em 1950, tinham 14 milhões de pessoas com mais de 80 anos no mundo. Depois dos 60, a pessoa já estava envelhecida, era invisível, e era excepcional alcançar os 80. Em 2050, chegará a 388 milhões. Hoje, o grupo da população que mais cresce é dos com mais de 80. Estamos em plena revolução da longevidade.
Dois fatores foram preponderantes para essa mudança: a prevenção e a detecção precoce de doenças. No caso da prevenção, houve uma conscientização sobre o que faz bem e o que faz mal. Por exemplo, há 40 anos, o Brasil era um país de fumantes, que conseguiu reverter esse cenário. O Vigitel, que realiza a vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico, apontou no último levantamento que só 9,8% dos brasileiros eram fumantes. A noção do que é uma alimentação saudável ou da importância da prática de atividade física também
cresceu.
Detectar os problemas no início foi a chave para que as doenças crônicas associadas ao envelhecimento pudessem ser controladas.
— Hoje, máquinas poderosas encontram um câncer ainda capaz de ser curado. Ou um problema cardíaco, com cânulas no interior do coração. Os exames de ultrassom, ressonância e tomografia computadorizada foram revolucionários. E houve avanços do tratamento que eram como ficção científica. Eu era estudante de medicina quando se falava em marca passo, e hoje temos os stents. A catarata era um perrengue, hoje a cirurgia é tranquila. Os aparelhos para evitar surdez são moderníssimos. Além disso, foram desenvolvidos tratamentos para conter obesidade, tabagismo, pressão arterial, diabetes. O número de medicações também cresceu enormemente — diz Kalache.
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O que se tenta fazer é empurrar doenças inerentes ao envelhecimento para o mais tarde possível. Se não for possível prorrogar, tem que controlar.
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Mas, apesar dos avanços, há desafios. Na parte científica, talvez um dos maiores seja o Alzheimer. Na parte social, a diferença entre ricos e pobres, como afirma a geriatra Maísa Kairalla, coordenadora do ambulatório de transição de cuidados da Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp):
— A desigualdade social, que foi avassaladora na pandemia, mostra como as pessoas envelhecem de maneira diferente. A expectativa de vida no mundo nesse período diminuiu três anos. Envelhecer não é mais tranquilo porque ainda é difícil pegar o ônibus, buscar o remédio.
Superidosos
Para envelhecer bem, é preciso se preparar, não só fisicamente, mas também econômica e emocionalmente.
— A genética conta menos para a longevidade, apenas 25% a 30%. Quem faz a diferença é a gente. E nunca é tarde para se preparar, fazendo atividade física, poupando recursos, criando vínculos sociais, de família e amigos. Envelhecer não pode ser um problema, a pessoa tem que estar ativa, seja trabalhando, viajando, namorando ou cuidando dos netos. Para envelhecer bem é preciso ter resiliência física e psicológica, ir se adaptando — diz Kalache, que conclui: — E ter vontade de viver, ter propósito.
Sobre essa vontade de viver, a antropóloga Mirian Goldenberg acaba de lançar o livro “A invenção de uma bela velhice” (ed. Record). Segundo ela, pessoas acima de 80 anos que são lúcidas, saudáveis e ativas são chamadas de “superidosos”.
— Essas pessoas conseguem chegar nessa fase com saúde, projetos, alegria de viver, lucidez, amizades, e muito aprendizado. São superidosos porque superam as expectativas para a idade deles, muitos estão melhores do que pessoas bem mais jovens. O que eles têm de diferente? Valorizam o tempo presente, não reclamam de passado, não pensam muito no futuro, não falam em morte. Têm um amor pela vida que não encontro nas outras gerações. Sabem que o bem mais precioso não é ter milhões de cliques, ganhar dinheiro, ficar magra, é o tempo presente — afirma.
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Outro aspecto da personalidade dessas pessoas é a curiosidade e a abertura para o conhecimento. Goldenberg faz um acompanhamento de um grupo de cerca de 30 superidosos e conta que, quando a pandemia começou, no ano passado, o impacto foi muito grande:
— O maior valor para eles é a autonomia, a liberdade, poder ir ao supermercado, encontrar amigos, ir à academia de ginástica. E, de uma hora para outra, eles perderam tudo isso. Os dois primeiros meses foram horrorosos, mas o processo de aprendizado e de adaptação deles é invejável. Se antes caminhavam na praça, hoje caminham dentro de casa, se antes encontravam amigos agora falam pelas redes, por telefone, chamada de vídeo, lives. Não ficam pensando no que não puderam fazer, eles pensam: o que eu posso fazer? Isso é lindo.
Quem ainda não tem 80 e se questiona sobre se tem ou não uma personalidade assim, deve saber que é possível aprender e , no futuro, ser feliz nessa fase da vida. Goldenberg conta que a curva da felicidade foi estudada por economistas em 80 países e mostra que, a partir dos 50 anos, ela tende a crescer.
— Chegamos ao fundo do poço da felicidade aos 45 e depois a curva sobe. A pessoa passa a valorizar o tempo presente, faz uma faxina emocional, para de se comparar com outras pessoas, investe no que construiu de bom e positivo: a família, os projetos, os amigos. Desenvolvem uma relação mais livre com o corpo e aparência, com o que ficam preocupadas as mulheres até os 50 anos. Elas, principalmente, dizem “nunca fui tão livre, nunca fui tão feliz. É a primeira vez na vida que posso ser eu mesma”. Esse é o discurso mais poderoso que escuto das pessoas mais velhas.
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