Ingo Ostrovsky, 50emais
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Se não houve fogo, não pode haver cinzas, como bem lembrou o antropólogo Roberto da Matta. Mesmo assim, a Quarta-feira de Cinzas veio e nos lembrou que o luto religioso tem o nome de Quaresma. Quem sabe ao final de 40 dias os 240 mil mortos (até agora!) ressucitem numa Páscoa às avessas da pandemia que nos assola.
E mais. Como poderia uma quarta-feira de Cinzas ter cara de efusiva depois de um carnaval cheio de barbaridades e aglomerações irresponsáveis? Pois, sob os auspícios de 3 representantes do sexo feminino, minhas Cinzas foram quase alegres.
Nada mau para um homem “que ama as mulheres”, como o cineasta francês François Truffaut.
Primeiro, Lygia da Veiga Pereira, uma geneticista por quem nutro uma paixão platônica e secreta que já tive que controlar quando a encontrei – duas vezes – para entrevistas de televisão. Lygia fala fácil sobre assuntos difíceis, mas para mim a grande atração é o charme sereno de uma carioca apaulistada criada numa família de intelectuais. Todos foram para a literatura; ela preferiu a ciência. É muito bem casada com um médico especializado em cirurgia plástica, mais um motivo para conter meus ímpetos românticos. Tenho pouco ou nada a oferecer à “mãe” dos avanços na pesquisa de células-tronco no Brasil. Adorei vê-la na primeira página de O Globo.
Depois, Martha Batalha, a cronista quinzenal que me faz perder uma quarta-feira por semana na ânsia de encontrá-la de novo quando abro meu jornal. Como escreve bem essa moça. Nunca a vi pessoalmente, apenas li livros que ela publicou. Me convenci de que Martha também é bem casada quando, lá pelo quinto ou sexto mês da pandemia, ela lembrou que nos votos do matrimônio não havia qualquer menção a ter que ficar semanas a fio isolada com o marido (e os filhos) em casa. Só uma mulher que vive bem com seu companheiro pode declarar uma coisa dessas! Martha mora nos EUA e escreve sobre a rotina dela com a universalidade de alguém que mora aqui na esquina e tem que suportar os feirantes mal educados de todas as quartas-feiras.
Me chocam as notícias de feminicídio e as cenas de homens agredindo mulheres. Não consigo entender o estupro, a relação sexual não consensual. Quando menino ouvia na casa de meus pais que todos são iguais perante todos e que numa mulher não se bate “nem com uma flor”. Acreditei nessas duas mentiras. Hoje, mais velhinho, descobri a verdade: tem gente que é mais igual do que os outros e há muito marmanjo batendo feio nas garotas.
A terceira mulher desta inesquecível quarta é Marilyn Monroe, com quem praticamente me casei dias depois de completar 15 anos. Marilyn é extremamente fiel, nunca me traiu. Resisti a todas as tentativas da imprensa mundana de me intrigar com ela. Somos felizes. Recentemente li que quando o presidente Kennedy lhe deu um passa-fora ela foi se aninhar junto ao irmão dele, Robert, o Bobby. Os dois políticos foram assassinados e eu estou aqui, resistindo ao vírus, com medo do verme, sem vacina, mas podendo me deleitar com as fotos de uma dona que nunca envelhece, uma mulher para quem o tempo não passa há quase 60 anos. Viva em paz, Marilyn!
PS: Tem um cãozinho que late na minha rua quase todas as madrugadas, das 4:30 às 6:30. Não é fofo?