Márcia Lage
50emais
Marly Ferreira fez 79 anos no dia 23 de junho e tomou uma decisão importante: vai voltar a viver na minúscula cidade onde nasceu, São Sebastião do Rio Preto, no interior de Minas.
Ligou para o primo Cláudio Quintão, que é irmão do prefeito, para se informar sobre as políticas para idosos que ele vinha implementando.
Foi surpreendida com ações muito positivas, como um bom serviço público de saúde, locais para praticar atividades físicas e recreativas, excursões com as pessoas da idade dela e o melhor: acolhimento.
Cláudio arranjou para ela uma suíte na única pousada da cidade, café da manhã incluído, por um custo infinitamente melhor para quem pagava mais de quatro mil reais num espaço de longa convivência em Confins, região metropolitana de Belo Horizonte.
Marly havia ido morar lá por sua livre escolha, depois de experimentar diversas maneiras de viver com independência, autonomia e companhia, desde os 50 anos, quando se casou pela primeira e última vez.
Única solteira de uma família imensa, a costureira foi se sentindo isolada à medida em que os irmãos se dedicavam às suas proles. Alguns, inclusive, já haviam seguido os pais na partida deste mundo.
O casamento tardio a levou para Porto Alegre, onde trabalhou e atuou na igreja da qual faz parte e que tem sido, ao longo de sua existência, seu ponto de apoio e de conexão.
Essa mesma igreja a transferiu para Curitiba quando o casamento se desfez, e depois para Aracaju. Sua missão era ensinar corte e costura nos serviços sociais da instituição.
Estava feliz em Aracaju, num condomínio de apartamentos com ótimos serviços de lazer, a proximidade com o mar, a calma da cidade, quando, no auge da pandemia, um infarto pôs em marcha novo deslocamento.
Os vizinhos a socorreram. Foi salva e não pegou Covid nem teve sequelas. Mas a família se inquietou com a distância e pressionou para que ela voltasse a Belo Horizonte, onde a maioria vive.
Seguindo uma irmã que optara por morar em apart hotel, depois de criar as filhas, Marly, alugou uma suite no centro da cidade.
Não era ruim, mas também não era bom, principalmente pelo barulho, insegurança, poluição, falta de áreas verdes próximas para onde pudesse ir se exercitar ou espairecer.
Passava os fins de semana com algum parente e voltava para o seu cubículo, sem muito o que fazer. Não costurava mais.
Em 2023, descobriu o centro de convivência em Confins. Uma chácara bonita, bem cuidada, com bons serviços de recreação e lazer, administrada por sua igreja. Gostou do espaço e se mudou. Mas não suportou a prisão.
– Eu não podia sair de lá sem que alguém da família me buscasse. Mesmo eu estando lúcida, com a saúde perfeita e absolutamente capaz de me deslocar de ônibus ou táxi. Confins fica muito longe de Belo Horizonte, ninguém podia ir lá me visitar ou me buscar para passear. Fui me sentindo mais isolada que no hotel. Só havia uma outra mulher lúcida como eu. As demais internas tinham Alzheimer, Parkinson, demências ou eram cadeirantes. Aquilo foi me deixando triste. Aí, tive a intuição de voltar a viver onde nasci. Apesar de não ter mais nenhum parente próximo lá, temos as referências, as raízes, somos alguém, não um número.
Na cidade, ainda existe o casarão dos pais dela, adquirido e restaurado por uma neta. Marly ligou para essa sobrinha que a encorajou a se mudar.
“Vai, tia. Morei lá enquanto restaurava a casa e foi muito bom retomar contato com meu passado, minhas origens, minhas referências. Foi um período de cura e reconhecimento de mim mesma. Fica no casarão”, convidou.
Marly, no entanto, teve medo. Muito trabalho cuidar sozinha de casa tão grande, abarrotada de memórias da infância, dos pais e irmãos já mortos. Depois do infarto, não quer mais ficar sozinha.
Então, ligou para o prefeito, que ofereceu a melhor alternativa. E lá vai ela. Confiante e feliz por ter encontrado refúgio entre amigos, cheia de liberdade , e também recursos financeiros maiores, para fazer o que quiser.
A opção da Marly pode gerar para o município uma nova forma de renda, transformando a pequena cidade numa referência de acolhimento para o idoso.
Ela tem muita experiência para repassar. Já morou até no exterior, fazendo amigos com seu jeito suave e calmo e sempre atenta ao próprio envelhecimento.
Se o prefeito ouví-la, vai poder implantar na cidade ainda mais serviços de atendimento à esse público: pessoas que vivem muitos anos com a saúde plena, ativos, produtivos, que querem ser donos do próprio viver mas, ao mesmo tempo, serem acompanhadas de perto e receberem ajuda pública, gratuita e eficiente, quando a idade pedir.
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Oi Marcia!
História de Vida que encontra em mim e muitos outros afinidades de vivências…
Pensei que ao me aposentar e envelhecendo moraria em alguma cidadezinha proxima a BH, mas sozinha ficou difícil ir pra algum lugar sem referência de pessoas conhecidas.
Hoje moro em Santa Tereza, bairro com características de vivências de uma cidade do Interior, onde todos parecem ser conhecidos e a gente encontra além do básico, vida cultural e entretenimento, inclusive com festas na Praça e Cinema gratuito todos os dias, com horários infantil e para adultos.
Continuo na região onde trabalhei até aposentar e assim sozinha me sinto mais segura.
Sempre gosto muito da sua forma de contar histórias e acompanho você aqui.
Meu abraço,
Genô