A voz dela é realmente bonita – ouça no final do texto. Parece não ter sido afetada pelo tempo, como acontece com a maioria dos cantores e cantoras. Aos 83 anos, Miracy de Barros, que já brilhou no rádio das décadas de 1950 e 1960, dá um impulso na carreira, depois de se consagrar no programa The Voice Mais, apresentado aos domingos pela TV Globo, cantando “Quando te vi”, música do mineiro Beto Guedes. ” Estou adorando a fama que o “The voice +” me trouxe. Eu interrompi a carreira porque o meu marido (Carlos Alberto, de 79 anos), lá atrás, mandou que eu escolhesse entre ele e a música. Como já tinha dois filhos, cedi,” conta ela nesta reportagem de Regiane Jesus para O Globo.
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Em uma jovem tarde de domingo, em 1966, Miracy de Barros estava sentada no auditório da TV Record, em São Paulo, para aplaudir o antigo namoradinho de sua irmã, que, ao lado de Wanderléa e Erasmo Carlos, marcava gerações no comando de um programa que virou um movimento importante da história da música brasileira. Quis o destino que numa recente tarde de domingo, 55 anos depois, a cantora, de 83, fosse ovacionada pelos técnicos do “The voice +”, enquanto se lembrava com saudade dos velhos tempos de tantas alegrias. Nascida e criada em Bento Ribeiro, a eterna garota, que se considera tão “danadinha” como sua técnica, a musa pop Ludmilla, retoma na atração da Globo a carreira artística e volta a sonhar em reencontrar pessoalmente o ídolo da Jovem Guarda e da vida inteira.
— Não perco a esperança de reencontrar o Roberto Carlos — diz ela.
O impossível não existe para quem, aos 9 anos, fez sua estreia a em um circo, o primeiro palco de muitos. Na adolescência, pouco antes de chegar à maioridade, participou do prestigiado programa “O trem da alegria”, da Rádio Mayrink Veiga, no qual ficou toda faceira ao conhecer um astro da época, Sérgio Murilo, que eternizou com sua voz o hit “Broto legal”. Miracy não só era um broto legal, como tinha talento para estourar nas paradas de sucesso.
Aos 18 anos, realizou o desejo (e o desafio) de soltar a voz diante de ninguém menos que Ary Barroso, compositor de “Aquarela do Brasil” e comunicador dos mais respeitados. Pouco depois, no “Programa César de Alencar”, na Rádio Nacional, conheceu os inesquecíveis Cauby Peixoto, Dalva de Oliveira e Emilinha Borba:
— Eu me lembro que estava com um vestido rosa lindíssimo, de tule, no “Programa César de Alencar”. Sempre fui muito exibida. O auditório veio abaixo comigo — conta Miracy.
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Ela ainda ganhou um concurso de rádio, na atração comandada por José Messias, que lhe deu como prêmio a gravação de um compacto duplo. Foi nesse período que se aproximou de Roberto Carlos, que havia namorado sua irmã Miriam, já falecida.
Toda esta trajetória interrompida precocemente não impediu que a octogenária, que, como diria o Rei nos tempos da Jovem Guarda, era “uma brasa, mora”, voltasse com fôlego de menina para não deixar dúvida de que foi, é e sempre será uma garota papo firme.
— Estou adorando a fama que o “The voice +” me trouxe. Eu interrompi a carreira porque o meu marido (Carlos Alberto, de 79 anos), lá atrás, mandou que eu escolhesse entre ele e a música. Como já tinha dois filhos, cedi. Fiquei décadas sem cantar. Mas voltei aos 70 anos, participando de serestas, eventos. Agora ele me dá a maior força. Foi quem sugeriu que eu me inscrevesse para o programa. Ainda bem, porque sou uma velha assanhada, danadinha igual à Ludmilla — diverte-se.
Não à toa, escolheu a vizinha famosa da Ilha do Governador como sua técnica quando se viu diante das quatros cadeiras viradas em sua direção (também poderia ter optado por fazer parte dos times de Claudia Leitte, Daniel ou Mumuzinho).
— Eu ensaio com a Ludmilla de forma virtual, mas mesmo assim a nossa troca é ótima. Estou felicíssima com tudo o que está acontecendo. Na primeira noite depois que eu apareci no programa, nem conseguir dormir. O telefone não parou de tocar, e ganhei muitos seguidores no Instagram. Outro dia, estava na parte de dentro do meu condomínio e umas meninas me pararam para dizer que se emocionaram comigo. Eu chorei de alegria. Não sei se vou ganhar, até porque estou competindo com cantores maravilhosos. Mas tudo vale a pena. Eu estou de volta aos meus tempos de menina, de cantora do rádio — observa a artista.
Roberto Carlos é o assunto preferido da cantora.
Menina-veterana, Miracy de Barros ainda tem muito da jovem que participou dos mais badalados programas de rádio das décadas de 1950 e 1960.
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— Sou elétrica até hoje. Eu não quero ser novinha, mas me adapto às mudanças, ao novo, e não tenho esse negócio de preconceito. Se a pessoa gosta de andar com o bumbum de fora, deixa! Está mostrando o que é dela. Cada um deve viver como quiser. Sou vaidosa, adoro estar bem vestida, com calcinha e sutiã bonitos por baixo (risos). Amo a juventude, a minha alma é jovem. Só não tenho paciência com velho chato — diverte-se, detalhando. — Não gosto de velho que reclama de tudo, que tem dor aqui, ali…
Nem o apelido que já a incomodou um dia, incomoda mais.
— Umas sobrinhas do meu marido me chamavam de Dercy Gonçalves, mas eu não gostava. Ficava uma arara. O apelido pegou, tive que engolir aquele sapo por anos. Mas agora eu adoro, porque me identifico com ela, sim. Só não solto palavrão porque acho uma indelicadeza. Como ela, falo o que penso. Sou a Dercy de 2021 — frisa.
Nem o bem-sucedido casamento de 54 anos, que lhe rendeu dois filhos e três netos, faz com que Miracy esqueça o passado animado que viveu.
— Era muito namoradeira. Mas não fazia nada de errado. Havia muita censura, e minha mãe estava sempre ao meu lado, graças a Deus! Construí uma família linda e agora estou tendo a chance de recomeçar a minha carreira de cantora. Fiquei mais de 40 anos em casa, de molho, mas naquele tempo era comum que os homens não aceitassem que a mulher trabalhasse. Agora é outra história. Assim como meu marido, meus filhos (Tadeu e Cláudia) me deram a maior força para me inscrever no “The voice+”. Sou a mais velha do programa, com muito orgulho. Virei notícia — brinca.
Dá para apostar sem medo de errar que, se pudesse escolher uma futura manchete de jornal para estampar, nela estaria escrito: “Após 55 anos, Miracy de Barros reencontra Roberto Carlos”. O amor da cantora pelo Rei é tanto que, cá para nós, o cantor é o seu assunto preferido:
— Na primeira vez em que vi o Roberto Carlos, ele estava com o José Messias na Rua Álvaro Alvim, no Centro. Como eu ia todo domingo ao programa do Messias e o Roberto também, ficamos coleguinhas. Ele namorou a minha irmã, que o chamava de Beto. Lembro da primeira vez em que ele foi na nossa casa, em Bento Ribeiro. Nessa época, ele ainda não tinha feito sucesso, mas sempre dizia que sonhava ter um carrão. Quando o reencontrei, em 1966, na casa dele, em São Paulo, no dia em que nos deu os convites para assistir ao programa “Jovem Guarda”, havia quatro carros na garagem — recorda.
Miracy lembra perfeitamente da visita que fez ao Rei na capital paulista:
— Nessa época, éramos próximos do Roberto Carlos. Eu era recém-casada; nem sabia que já estava grávida, mas estava. Eu e marido chegamos a São Paulo e fomos à casa do Roberto. Ele já tinha mordomo e tudo! Quando chegamos, ele recebeu a gente na sala com a maior simplicidade. E já era o Rei! Lanchamos, ele nos mostrou a fita da música “Namoradinha de um amigo meu” e nos apresentou à sua então mulher, Nice. Depois, fez questão de nos levar, de carro, à casa onde estávamos hospedados. Quando vi tudo o que ele conquistou, fiquei feliz em saber que o Roberto tinha realizado seus sonhos. No dia em que assistimos ao programa ‘Jovem Guarda’, ele me deu uma cartão com a foto dele e uma dedicatória que guardo até hoje. Essa foi a última vez em que estive com o Roberto — lamenta.
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Há alguns anos, Miracy tentou reencontrar o Rei, mas seguranças impediram que ela se aproximasse do antigo colega.
— Comprei roupa nova para ir toda bonita ao show dele, mas, infelizmente, não me deixaram entrar no camarim. Chorei muito. Se alguém conseguir promover este reencontro, serei eternamente grata. O meu maior sonho é ficar frente a frente com ele novamente — afirma.
No “The voice +”, Miracy não cantou Roberto. Talvez porque queira interpretar as canções do Rei especialmente para ele.
— Amo “Falando sério” e “Olha”. Essas músicas fazem parte do repertório que cantava nas serestas antes da pandemia, assim como “Quando te vi”, do Beto Guedes, que foi a canção que escolhi para me apresentar no programa.
Ah, são tantas emoções que Miracy viveu, vive e viverá…