Márcia Lage
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Aos poucos, bem devagarinho, o Brasil parece acordar para uma questão crucial que angustia boa parte das pessoas na medida em que vão envelhecendo: onde morar depois da aposentadoria.
Os modelos de asilos construídos e mantidos por instituições religiosas são o pavor dos velhinhos.
Basta visitar alguns deles, mesmo os mais elegantes, para concluir que reproduzem a gestão prisional das cadeias, dos hospitais psiquiátricos, dos conselhos tutelares.
Os internos são encaixotados num modelo único de gestão que, para funcionar, retira do Idoso toda autonomia, tratando igualmente
quem é são e quem é doente.
Os próprios idosos tentam construir espaços específicos de convivência saudável depois dos 60.
O sonho das ecovilas é um delírio coletivo da galera que fez parte do movimento hippie, continua produtiva e criativa e já se deu conta de que viver nas grandes cidades, depois da aposentadoria, é caro, perigoso e solitário.
Há muitos modelos sendo implantados no país, mas nenhum deles ainda funciona. As propostas, quando confrontadas com a realidade, mais dão pra trás do que avançam.
O custo dos terrenos é alto; os modelos de casas não agradam a todos; a gestão proposta traz conflitos sobre posse e hereditariedade; os equipamentos são caros.
Enfim, quem pode pagar não precisa quem precisa não pode arcar com tanto desejo.
A questão é de ordem pública, concluiu a arquiteta paulista Miriam Morata, fundadora da ONG Recriar Com Você.
Miriam usou as redes sociais para juntar pessoas que desejem construir e morar em ecovilas e não está dando conta de gerir a demanda.
Milhares de pessoas, a maioria mulheres, se inscreveram para o que acreditam ser uma proposta em curso.
Só que não. Não existe terreno, não existem as casas e não há recursos para atender a tanta gente querendo morar juntas (e já mostrando as dificuldades de convivência).
Umas querem ir para a praia. Outras, para o campo, desde que o campo seja coladinho nos grandes centros urbanos.
A questão da herança aparece sempre, de acordo com os níveis de envelhecimento de cada um.
De olho nesse nicho, a indústria da construção civil se adianta, enchendo de condomínios os arrabaldes dos centros urbanos, com propostas de segurança e bem-estar.
Nas capitais, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, hotéis antigos estão sendo reformados para abrigaram idosos em suas diversas fases de envelhecimento, a custos absurdos.
E surgem prédios com serviços semelhantes, com condomínio impagável.
Algumas prefeituras, como a de Bragança Paulista, em SP, e de Coronel Fabriciano, em MG, estão investindo em cidades para idosos de baixa renda.
O projeto Paulista prevê construção de moradias populares para pessoas acima dos 60, sozinhos, e o de Minas foca no atendimento médico numa espécie de hospital-dia, com lazer, alimentação e programas culturais.
O problema, no entanto, é muito maior. O envelhecimento é contínuo e quem tem autonomia para morar sozinho hoje, amanhã pode não ter.
A questão da moradia tem que acompanhar esse curso, oferecendo soluções para pessoas ativas e capazes de se relacionar e produzir; pessoas inativas com baixa capacidade produtiva, mas não doentes; pessoas totalmente dependentes por doenças físicas ou mentais; e, como bem pensou Miriam Morata, os profissionais que cuidam desses últimos. Sejam familiares ou do serviço público de saúde.
São 32 milhões de brasileiros pressionando o governo para soluções que atendam a todos, de forma diferenciada, criativa e democrática.
Não aprisionando e segregando como tem sido feito até agora.
Boa parte desses idosos vive lúcida e ativamente até os 90 ou mais, deixando pelo caminho familiares e amigos que poderiam estar ao lado deles na jornada final.
O modelo familiar de acolhimento do Idoso acabou. As famílias são cada vez menores e as casas, também. Então, a questão é pública mesmo.
E merece ser debatida com a urgência urgentíssima com que se debatem pautas moralizantes num Congresso cada vez mais alienado das reais necessidades da população.
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