Elza Cataldo, 50emais
Embora atualmente isso pareça inconcebível, e até cruel, as princesas eram levadas logo depois do nascimento para um local afastado da mãe, no caso uma rainha, onde passavam os primeiros anos sob os cuidados de amas de leite e aias.
Dessa forma, as mães poderiam se dedicar aos deveres de soberana, e, principalmente, se colocar à disposição dos maridos, no caso reis, sempre ávidos em aumentar a prole real, o que traria mais segurança para a continuidade da sua dinastia, ou satisfazer os ditos “prazeres carnais”. Os masculinos, quase sempre.
Com Maria, não foi diferente. Desde o seu nascimento, em 1734, até os dois anos, ela viveu na denominada Casa das Rainhas. Um aposento especial mandado construir pelo seu avô, D. João V. Apesar da idade tenra das netas, o zeloso avô emitiu ordens expressas de que ninguém entrasse ou saísse dessa ala sem o conhecimento de soldados fortemente armados.
Na Casa das Rainhas, Maria começou a sua educação marcadamente católica. A pequena princesa já mostrava desde então uma inteligência acima do normal, sendo mesmo chamada de criança-prodígio e vista como motivo de orgulho da família real: “aos 17 meses ela falava ‘com tão clara expressão’ que parecia adulta. Aos 2 anos, como que predestinada, a infanta sabia toda a doutrina cristã. Aos 3, recitava o longuíssimo Credo de Santo Atanásio, o Te Deum, o Magnificat e outras orações em língua latina”. Conforme destaca Mary del Priore no seu importante livro: D. Maria I – As perdas e as glórias da rainha que entrou para a histórica como “a louca”.
Maria não parou de surpreender nos seus próximos anos. Ainda conforme Mary del Priore, citando um genealogista da época, “aos 4 anos lia perfeitamente em português e castelhano e, aos 5 anos, em latim”.
Naturalmente, a preocupação com a formação das princesas era constante em todas as dinastias. Mas os estudos das meninas eram, muitas vezes, mais simplificados daqueles ministrados aos meninos, futuros reis. Várias princesas se valeram de aulas destinadas aos irmãos para aprimorar seus conhecimentos e dons artísticos. Maria, junto com suas três irmãs, parece ter ocupado o lugar principal nos estudos gerais e específicos sobre o Reino de Portugal, visto não existir um herdeiro varão.
D. Mariana, sua mãe, teve mais quatro crianças depois de Maria que não vingaram além das três meninas que sobreviveram: Mariana, Doroteia e Benedita. E Maria, foi assim, educada e preparada para ser rainha.
Na sua formação não faltavam, de certo, os trabalhos de costura e bordados. Considerados um instrumento essencial contra o ócio feminino e, consequentemente, contra o pecado.
O pecado foi um fantasma que sempre assombrou Maria. Os seus próprios, presentes deste o início da sua infância, mas, principalmente, os alheios. A culpa, sentimento bem conhecido dos católicos, entranhado nos dogmas do catolicismo, não poupou Sua Majestade.
Maria desenvolveu desde pequena a responsabilidade de expiar os pecados do avô. Não muito longe do seu aposento na Casa das Rainhas, D. José V cultivava rituais religiosos bastante severos alternados pelos seus recorrentes “pecados da carne”, gerando bastardos com dezenas de mulheres, que tão logo terminavam o parto eram separadas de seus filhos e enclausuradas em conventos ou expulsas de Lisboa.
Os pecados do avô e, mais tarde, os do seu pai, D. José I, iriam acompanhar toda a trajetória de Maria e constituir uma das causas da sua imensa melancolia. Entretanto, ao contrário da avó e da mãe, ela não sofreria no seu casamento as mesmas agruras das suas antepassadas.
Ser ama de leite é um ofício quase tão antigo como as sociedades humanas, na medida em que desde muito cedo houve a necessidade de amamentar filhos alheios, quer por impedimento biológico ou por questões sociais, entre outras possíveis razões.
O tema das amas de leite externas é recorrente na arte europeia desde, pelo menos, o século XVI. O exemplo aqui reproduzido, de meados do século XVIII, é um detalhe da gravura “As despedidas à ama”, de De Launay, com base em quadro de E. Aubry. Dedicada à Condessa de Merle, embaixadora do Rei de França em Portugal, a gravura mostra o momento em que a criança abandona a casa da ama, com quem, naturalmente, criara uma ligação afetiva, mostrando não querer separar-se dela, apesar de estar já nos braços da mãe. Pelos vestuários, percebe-se uma clara diferenciação social entre a ama e a dama que lhe confiara o filho.
No próximo post, Elza Cataldo vai abordar ainda a infância e também a adolescência de Dona Maria I, em Portugal.
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