Márcia Lage
50emais
Toda viagem que eu faço é uma viagem para dentro. Sentimentos recônditos me conduzem aos lugares aonde preciso ir, num modo intuitivo preferencial por sitios naturais e arqueológicos, que exigem exploração e pesquisa.
Busco o mar para aliviar cansaços e recuperar energias; as cachoeiras, para descarregar desassossegos, raivas, sentimentos de injustiça e traição.
As montanhas, para enxergar mais longe, ganhar distância de algum problema e avaliá-lo com o lado oposto das lunetas, para que reduzam de tamanho e desapareçam.
Os planaltos são para alargar os horizontes, criar perspectiva de futuro, trazer para perto o sonho que se quer cumprir.
Profundas e intimistas são as descidas em cavernas, que remetem ao sagrado e ao inexplicável do existir. A cúpula dos tetos, de onde pendem estalactites em forma de candelabros ou velas derretidas, as colunas erigidas pelos milhares de anos de gotas que caem criando figuras barrocas, as cortinas e os castiçais de calcário, tudo lembra um templo.
Quando a caverna é escura e tépida sinto-me como se estivesse num útero, no silencioso útero de uma mãe primitiva universal, de onde avisto os ovários, as trompas, o leite se formando nas tetas que sobem em estalagmites, o sangue pulsando nos veios emaranhados, a renda dos pulmões, as fibras do coração, os fetos expandindo a imensa barriga de onde sairão os filhos da terra.
Apago as lanternas e experimento o breu absoluto que cega as vistas; o silêncio que ensurdece os ouvidos; o cheiro de terra apenas tocada por orvalhos. Falta o gosto.
O gosto que não sentimos quando mergulhados no liquido amniótico, que nos alimenta sem que percebamos, propiciando segurança e contentamento.
Quando saio de uma caverna dessas, como as que visitei neste Corpus Christi, no Parque Nacional do Peruaçu, no norte de Minas, saio como se estivesse vindo à luz pela primeira vez. Olho em volta com reverência e concordância, aceitando humildemente a força.e o mistério da natureza.
Aos poucos, vou me recompondo com minha humanidade, minha fragilidade, minha insignificância diante da grandiosidade que me contempla.
Fico confrangida de querer destaque nesse mosaico da criação do todo. Reconheço meu pequeno lugar no planeta e me conformo com ele, achando que é tão importante e bonito quanto o lugar da borboleta ou da flor.
Deve ser isso a tal epifania. Ou o fogo sagrado do Pentecostes, que me ungiu num lugar impensável, antropologicamente pagão.
Leia também de Márcia Lage:
Por que você tem que assistir ao filme “As Órfãs da Rainha”
Mulheres estão parando de dirigir depois dos 60
Com a idade, vida sexual não acaba? Quem disse?
Jardinagem como terapia e prevenção de doenças
Robôs nunca nos ensinarão a amar