Ingo Ostrovsky, 50emais
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Tem tanta gente falando sozinho nesse nosso Brasil que me deu vontade de voltar às origens da civilização e pesquisar o diálogo, aquela conversinha entre dois homens numa caverna, que, imagino, foi o início da troca de informações que deu no que deu.
O diálogo sumiu! Ninguém mais fala com o outro. Emitir uma opinião hoje em dia é quase um ato de heroísmo, tamanha a quantidade de surdos de todos os matizes que “desouvem” tudo o que se tenta dizer.
Podem tirar o cavalinho da chuva! Eu aqui não vou defender nem atacar nada, nem ninguém. Sou um simples brasileiro à espera da segunda dose da vachina, doido para sair inteiro dessa confusão.
Uso máscara, lavo as mãos regularmente com álcool em gel e suporto o distanciamento social fumando na varanda, cercado de muito verde e algumas janelas indiscretas onde a vista cansada consegue vislumbrar, de noite, algumas senhoras se preparando para dormir. Saudade da visão de lince que eu tinha naqueles anos em que havia diálogo. E, claro, quando essas senhoras eram bem mais jovens!
Também tenho uma TV, daquelas grandonas, comprada em ano de Copa do Mundo na esperança de ver uma seleção brasileira que dialogasse com a torcida e fizesse gols, muitos gols.
Outro dia vi uma cena inusitada na transmissão do futebol. O jogo já estava para começar mas havia em campo apenas 12 atletas, seis de cada time, o goleiro e mais 5. De repente, os outros 10 jogadores das duas equipes entraram em campo com uma faixa onde se lia: “Sentiu a nossa falta? Imagina se fôsse alguém da sua família”. Era uma ação que os dois clubes fizeram chamando a atenção para o desaparecimento de pessoas, um drama enorme nas nossas cidades. Uma rápida pesquisa na internet me revelou que somem por ano no Rio de Janeiro umas 3000 pessoas, número prá lá de elevado. Quase 80% delas são encontradas, mesmo assim é gente demais sumindo no meio da multidão. Os últimos dados disponíveis são de 2019.
Palmas para os idealizadores desta campanha. Bela iniciativa.
No entanto, nenhuma palavra sobre os 300 mil que desapareceram e tiveram que ser enterrados às pressas nos últimos 12 meses nesse nosso imenso brasilzão. Fiquei pensando na falta de diálogo da sociedade com o futebol e do futebol com a sociedade. Jogadores, torcedores, dirigentes, cartolas, clubes, federações, a confederação brasileira, enfim, todos os envolvidos no nosso esporte nacional olham apenas para o próprio umbigo.
O Campeonato Brasileiro terminou faz poucas semanas e nos presenteou com uma enorme variedade de mensagens que os clubes e as torcidas espalharam pelos estádios sem público, uma maneira criativa de “empurrar” o time da casa, quase sempre acompanhada de gravações dos principais hinos e gritos de guerra das organizadas. Todos os jogos começavam com um honroso ‘minuto de silêncio’ em homenagem aos mortos pela Covid 19. E bola pra frente!
Você viu nesse estádios de todo o país alguma faixa pedindo uso de máscaras? Recomendando lavar as mãos várias vezes ao dia? Pedindo para evitar aglomerações? Sugerindo o uso de álcool em gel?
Nem você nem eu vimos isso. Parece que o futebol vive num planeta diferente deste aqui, assolado por uma pandemia que ainda não dá sinais de estar no fim. Seria uma coisa tão fácil e barata de fazer, né mesmo?!
Falta diálogo, gente, falta falar e ouvir o outro, sem pré-conceito, sabendo discordar e sobretudo, sabendo concordar.
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