Ingo Ostrovsky, 50emais
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Tesão, diz o Aurélio – o dicionário – é palavra chula, grosseira, baixa, rude, usada pela ralé, um daqueles termos que o ocupante da Presidência da nossa República gosta de proferir mesmo na presença de senhoras recatadas e do lar. Em resumo: um palavrão. Como tanto outros, porém, entrou no dia-a-dia e hoje faz parte de inocentes poemas de amor. Há palavrões nas primeiras páginas de jornal e até na capa de livros, dos mais vendidos.
Pois a palavra tesão anda aparecendo muito nos escritos sobre a pandemia. Para não ser mentiroso, é a falta de tesão que anda sendo citada. Em artigo recente a antropóloga e escritora Mirian Goldenberg mencionou a falta de tesão de muita gente da nossa idade, que não está conseguindo se interessar pelo outro por causa das tristezas que estamos atravessando. Como é que eu vou pensar em sexo e prazer se tem tanta gente sofrendo e morrendo?
Faz sentido.
Entretanto, com todo o respeito, me permito contar aqui uma história de tesão e pandemia, que está acontecendo neste momento – toda hora é hora de tesão – com um casal de conhecidos meus. A bem da verdade, eu conheço mais ele – Roberto, 74 anos – do que ela, Antonia, 66. Roberto não é negacionista, pelo contrário. Segue as orientações de isolamento social, usa máscara, aguarda pacientemente a chegada da vacina e se escandaliza com o rumo que a pandemia vai tomando no nosso país.
Antonia já é avó, teve dois casamentos e viveria sozinha se não tivesse que fazer companhia para a mãe, uma senhora de 97 anos, bastante saudável por sinal. Foi este o motivo para ela resistir ao encontro proposto por Roberto, não queria se expor nem colocar em risco a saúde da mãe. É o que se recomenda! Pelo que entendi, Antonia também está longe de ser negacionista. Acabou aceitando o convite porque era de máscara e ao ar livre, uma caminhada pelo calçadão de Ipanema.
Roberto já foi casado, hoje vive só e teve que interromper uma intensa vida social por causa da pandemia. Amigos – e amigas – ficaram distantes, os bares fecharam, os restaurantes que permaneceram abertos estavam vazios. Foi dele a iniciativa de procurá-la e a conversa por whatsapp foi ficando animada. Ao final do passeio, Roberto, que me confessou suas segundas intenções, arriscou:
– Você é namoradeira?
Resumo da ópera: Roberto lembrou dos primeiros tempos de Aids, quando muitos casais faziam exames de sangue que os liberavam de algumas limitações. Na segunda caminhada, já com a mão no pescoço de Antonia, fez a proposta:
- Vamos ao laboratório, em algumas horas saberemos se o vírus nos pegou… E aí decidimos o que fazer.
Os dois testaram negativo!
De lá para cá – já são 3 meses – eles não se largaram mais. Roberto me confessa que não podia imaginar que sentiria tanto tesão a essa altura da vida. Antonia é mais discreta, mas ele me conta que ela não nega fogo, está sempre disposta, sempre “afim”.
Roberto diz mais, que existe conversa, risos, pequenas histórias que ajudam a fazer o tempo passar de forma mais prazerosa, num momento que, para todos, anda tão difícil. O tesão ameniza a tragédia que vivemos. Ele resume tudo numa frase cheia de esperança:
“Não estou gozando com a dor de ninguém. Torço para que as pessoas encontrem a alegria e o prazer que encontrei. E me pergunto: o que é que eu fiz para merecer tudo isso?”.
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