Ingo Ostrovsky, 50emais
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Não existe uma estátua de Napoleão Bonaparte no Rio de Janeiro. Talvez algum carioca tenha em casa um busto ou uma doméstica escultura equestre do imperador francês. Mas nas ruas e praças da cidade, nada. Eu tenho um amigo, o jornalista Telmo Zanini, que implica com esse fato e diz que o Rio deve muito a Napoleão e nunca o reconheceu.
Zanini faz essa reflexão toda vez que caminhamos pelo majestoso Jardim Botânico carioca (que privilégio!) e nos deparamos com o busto de D. João VI, o rei de Portugal que criou esta imensa e valiosa área verde quando fugiu para o Brasil. E por que fugiu? Porque Napoleão invadiu as terras lusitanas. É esse o ponto em que a história da nossa cidade se cruza com a saga do general francês. D. João VI jamais teria vindo ao Brasil se não fosse Napoleão.
Sei pouco ou nada sobre Napoleão, então fui consultar quem sabe. Descobri semanas atrás que a atriz e escritora Fernanda Torres conhece bem a história desse chefe militar. “É difícil acreditar que um ser humano tenha feito o que ele fez numa só encarnação” começou ela. “Um plebeu corso, nascido numa ilha recém conquistada pela França, termina por se alistar no exército e, graças à Revolução Francesa, consegue galgar altas patentes, antes reservadas apenas aos nobres”.
Fernanda acompanhou Napoleão em inúmeras operações de guerra. “Ele era um gênio na batalha, sabia estrangular os exércitos inimigos com eficiência e rapidez assombrosa”, me garante ela. Quando se encontrava no Cairo, coroando a complicada campanha do Egito, fica sabendo que sua esposa o traía à luz do dia em Paris, sem esconder de ninguém. Enfurecido, Napoleão larga o exército e vem tirar satisfações, uma manobra que acaba levando a seu divórcio de Josefine, coisa que ele vai lamentar até o final da vida. “Ela era o pé de coelho dele” diz Fernanda.
Abro um rápido parêntese aqui para contar que ano passado, no auge da revolta anti-racista provocada pela morte do americano George Floyd, Josefina foi notícia na Martinica, território francês no Caribe, onde nasceu: sua estátua foi derrubada e destruída por furiosos manifestantes que veem nela uma representante da aristocracia branca que oprimiu os negros caribenhos. Fecha parêntese.
E o Rio de Janeiro, Fernanda, onde entra nessa história?
Minha fonte garante que, ao contrário da imagem de fraco e abobalhado que dele temos, D. João VI foi na verdade “o único rei que enganou Napoleão”: não se entregou, ao contrário de outros monarcas europeus, e manteve a coroa com a decisão de transferir a Corte para uma de suas colônias além-mar.
“E assim nasceu esse Brasil que a gente herdou”, prossegue Fernanda. “Assim nasceu o Jardim Botânico, a Biblioteca Nacional, a Quinta, cedida a Dom João e queimada pelo descaso. Esse sentimento de ser mais do que colônia, esse sentido de nação, acho que vem desse exílio da família real portuguesa”.
Pelo jeito, Telmo Zanini tem razão, temos uma grande dívida com Napoleão. Se não fosse ele, estaríamos nas mãos da turma das capitanias hereditárias, talvez não tivéssemos nem o Theatro Municipal. Merece uma estátua, vocês concordam?.
Aproveitei e perguntei a Fernanda se Napoleão era bonito e se faria sucesso em Ipanema.
“Napoleão era feio, baixo e barrigudo, mas era um sedutor” e teve amantes até quando ficou preso na ilha de Santa Helena, no final da vida. Diz-se que não era bem dotado e “reza a lenda que deceparam o napoleãozinho depois da morte de seu dono, guardando-o numa jarra que foi passada de mão em mão”. Fernanda confessa que ficou “muito espantada” com a liberdade sexual anterior à Era Vitoriana. “O sexo era encarado com uma naturalidade muito maior do que a de hoje, em muitos sentidos. Dizem que se Napoleão tivesse vencido os ingleses, o mundo teria uma moral diferente daquela imposta pela Rainha Vitória”.
Ipanema, finaliza Fernanda, “está mais para Tupinambá, acho que não era a praia do Napoleão. A sunga não lhe cairia bem”
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