Ingo Ostrovsky, 50emais
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Estas linhas serão publicadas no Dia dos Pais, uma dessas datas em que somos incitados a gastar dinheiro para valorizar nossa relação com os progenitores. Maio é o mês das mães; agosto, o dos pais. Este ano, talvez por causa da pandemia, os apelos comerciais focaram na emoção da paternidade, como no comovente filme em que Zico ouve a voz de seu pai (recriada por Inteligência Artificial) em pleno gramado do Maracanã.(Veja no final da crônica).
Na semana anterior, Corinthians e Flamengo jogaram em São Paulo uma partida válida pelo Campeonato Brasileiro. Os jogadores em campo carregavam nas suas camisas o nome do pai, uma singela e recorrente homenagem futebolística. Todos os jogadores menos um, o goleiro Cássio, da equipe paulista. O goleirão e ídolo alvinegro preferiu escrever o nome da mãe e explicou que ela desempenhou um duplo papel na vida dele. “Tive um pai ausente”, disse Cassio.
Pai ausente é um brasileirismo bastante comum. O sujeito engravida a menina e dá no pé. Com frequência nem espera para ver a cara do rebento. E se o bebê não tiver um pintinho para chamar de seu, o pai some mesmo. Por motivos que certamente o machismo brasileiro explica, o número de meninas sem pai é bem maior do que o de meninos.
Veja o caso da nossa ginasta bi-medalhista, a Rebeca. A mãe dela, dona Rosa, foi bastante celebrada nas comemorações da prata e do ouro de Tóquio. “Mãe Solo” foi o eufemismo usado para justificar o pai ausente e apresentar essa senhora que teve 7 filhos e os criou sozinha. O noticiário deixou claro que o pai da ginasta é vivo, mas é ausente. E pronto! O assunto não é aprofundado, o pai ausente é mais uma daquelas coisas que viraram “normais”, existe e não se fala mais nisso.
Você sabe quantas donas Rosas existem no Brasil? Quantas Rebecas sem pai? Eu também não sei, mas garanto que se contam aos milhares, talvez milhões.
Tenho 5 filhos, 3 meninas e 2 meninos. Casei algumas vezes, tive as crianças com várias mães, ou, nas palavras do caçula, com “muitas maridas”. Não tenho certeza de ter sido um bom marido, mas sei que sou um ótimo ex-marido! E um pai presente, apesar das separações, das distâncias, da vida atribulada de profissional viajante e dos desentendimentos da vida como ela é. Nos Jogos Olímpicos da existência nenhum dos meus filhos subirá ao pódio como filho de “mãe solo”. Claro que só eles podem confirmar isso, mas quase ponho a mão no fogo…
Hoje estou grisalho, tinjo o cabelo de branco, como dizem jocosamente os da minha geração. Lembro de uma anedota sobre os pilotos da aviação comercial, que, em viagem, aos 20/30 anos escolhiam se hospedar perto das boates e restaurantes; depois dos 60 procuram hotéis perto de uma farmácia. Sigo cheio de alegria de viver, mas depois de um cateterismo que rendeu dois stents e com uma vesícula biliar a menos, melhor não facilitar.
Ainda gosto de namorar encostado no balcão do bar e não me envergonho de fazê-lo na minha idade, embora muita gente se espante. Espanto é abandonar os filhos. Vergonha é ser pai ausente.
Pensando bem, o Dia dos Pais deveria ser o Dia dos Filhos.
Veja Zico se emocionando com a voz do pai, recriada artificialmente:
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