Márcia Lage
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Vivi, nesse fim de semana, sentimentos de raiva e alegria, ao viajar de carro pela Estrada Real, com muitos focos de queimada, nuvem de fumaça encobrindo o céu, cheiro de mato chamuscado, fuligem provocando ardência nos olhos e calor infernal.
Mas onde o fogo não alcançou as matas ciliares e as grotas verdejantes das montanhas, os ipês amarelos criavam paisagens de emocionar Van Gogh.
No máximo do estresse hídrico necessário para sua floração, eles arrebentaram em flores na tentativa desesperada de seguir vivendo.
Pena que as cercas das propriedades ocupam quase todas as margens das estradas sem acostamento, impedindo que eu parasse para fotografar o espetáculo.
Talvez seja essa a razão de boa parte desses incêndios. Não há mais distância segura entre a estrada e as propriedades rurais.
Em 2019 o DNIT, atendendo aos apelos da Confederação Nacional dos Municípios, reduziu de 15 para 5 metros a faixa de domínio das estradas estaduais e municipais.
Mais do que depressa, os fazendeiros encostaram suas cercas nas rodovias, que perderam até o espaço para acostamento.
A ganância por invadir terras públicas resultou nisso.
Perdeu-se os aceiros além das faixas de domínio e qualquer bituca no mato, que quase invade as pistas por falta de manutenção, dá nisso: fogaréu morro acima e morro abaixo.
Passado esse susto de agora, o Brasil precisa rever essa permissividade. Obrigar fazendeiros a recuar as divisas, manter aceiros largos nos acostamentos, rente às suas propriedades e cultivar uma proteção verde nas cercas, com árvores de baixo risco de incêndio.
O CO2 que o país emite atualmente tem de ser compensado com investimentos massivos em reflorestamento e restauro das áreas degradadas.
Há muito passivo ambiental de empresas poluentes e degradantes que tem de ser cobrado.
Mais do que cadeia para os criminosos que ateiam fogo em áreas de proteção ambiental, multa de plantio e replantio das espécies originais que compõem os biomas ameaçados.
Outra emoção negativa foi constatar, mais uma vez, a inviabilidade das cidades grandes, como Belo Horizonte, cercada de mineradoras por todos os lados.
Além de quente e seca como nunca se viu, a capital mineira sofre com o estrangulamento do tráfego.
O show de Caetano Veloso e Maria Betânia no Mineirão provocou enorme demanda para Vans, táxis e Uber.
O povo aproveita para tirar o pé da miséria. Todos os serviços de vans estavam sem vagas, ao preço exorbitante de 750 a 1.200 reais para levar os fãs ao local do evento.
Muitos belorizontinos não se arriscam a ir de carro ao Mineirão. E pagam pelo transporte mais do que pelo ingresso.
Houve, no entanto, um ponto positivo nessa história: o show compensou em muito o sacrifício.
Vai demorar um século para que o Brasil volte a ter uma safra tão poderosa de músicos como os que surgiram na década de 1960. E seguem nos encantando.
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