Ela tem 29 anos. Ele, 42. Os dois são deputados por São Paulo. Esta semana, ela conversava tranquilamente com o presidente da sessão, na Assembléia Legislativa de São Paulo, quando ele se aproximou e passou a mão no seio dela. Para falta de sorte dele, que mais tarde se justificou dizendo que deu um “abraço” na colega, havia uma câmera ligada que registrou tudo. Mais um episódio, protagonizado por quem deveria dar exemplo, que mostra o nosso atraso nas relações homem-mulher no Brasil. Há sempre um abuso. Pesquisa mostra que 76% das brasileiras já foram vítimas de violência ou assédio, sobretudo no trabalho. Jovem e bonita, a deputada contou que já sofreu vários outros casos de abuso.
O mais importante é que a história envolvendo a deputada Isa Penna e o deputado Fernando Cury, ocorrida na quarta-feira, teve desdobramentos. Ela registrou boletim de ocorrência e quer que ele seja cassado. O Cidadania suspendeu o deputado de todas as suas funções no partido e já admitiu que pode expulsá-lo da legenda.
Leia todos os detalhes do caso nessa reportagem de Leda Antunes, de O Globo:
“A vida de uma mulher na política no Brasil é muito violenta”, diz a deputada estadual de São Paulo Isa Penna (Psol), após sofrer assédio no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo. Durante a sessão plenária na última quarta-feira (16), o deputado Fernando Cury (Cidadania) foi filmado apalpando o seio da parlamentar. Ela registrou boletim de ocorrência contra Cury, denunciou o caso ao Conselho de Ética da Alesp e divulgou, nesta sexta-feira (18), um manifesto em que pede a cassação do deputado.
Nas imagens é possível ver Isa Penna conversando com a Mesa Diretora, durante sessão para votar o orçamento do estado de 2021, quando Cury se aproxima por trás da deputada e coloca a mão no seio e na cintura dela. Em seguida, ela afasta a mão do parlamentar, que insiste em tocá-la novamente e é mais uma vez afastado.
Veja:
O deputado Fernando Cury usou a tribuna da Alesp para se defender. Ele se desculpou pelo ocorrido. Disse que se sentiu constrangido e triste, mas negou a tentativa de assédio: “se a deputada Isa Penna se sentiu ofendida com o abraço que lhe dei, peço desculpas por isso”, afirmou.
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Cury ainda disse que não houve tentativa de assédio e importunação sexual e questionou como o vídeo está sendo interpretado: “Eu ví o vídeo. O que que tem de errado ali? Só se o meu entendimento for diferente de vocês.” Na tarde de sexta-feira, o deputado foi afastado pelo partido.
Durante a coletiva de imprensa nesta sexta-feira (18), a deputada Isa Penna chegou a mencionar que Cury parecia ter ingerido bebida alcoólica e cheirava álcool quando se aproximou dela:
— Ele chegou muito próximo de mim, posso atestar: ele estava com cheiro de álcool. Mas não acho que isso foi o que determinou a conduta do deputado. Não sei em que mundo ele vive que pode justificar isso como um ‘abraço’ — disse.
Penna disse que, apesar de sofrer constantemente com comentários machistas dentro da Alesp e nas redes sociais, ficou “chocada” com a conduta do deputado.
— Eu fiquei chocada que ele fez isso ali, na frente das câmeras, na frente do presidente. Eu achei estranho. Mas é para gente ver o quão à vontade o discurso do ódio deixa esses caras — disse, relembrando que já estava ouvindo comentários sobre o seu corpo no Plenário por causa de um vídeo em que aparece dançando funk.
A deputada já fez um boletim de ocorrência eletrônico sobre o ocorrido e, na tarde desta sexta-feira (18), irá registrar a denúncia pessoalmente, na delegacia da Alesp. Em coletiva de imprensa nesta sexta, Penna leu um manifesto feito pelo seu mandato que pede a cassação do deputado. “É justamente esse tipo de violência, que também é uma violência política, que impede que as mulheres possam atuar livremente em todos os espaços públicos”, diz o texto.
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“O deputado Fernando Cury cometeu uma violência que é inaceitável em qualquer lugar, mas sobretudo em um espaço como o parlamento, que precisa dar o exemplo para a sociedade. É preciso dar uma resposta pra esse caso que seja exemplar e contundente!”, continua o documento, que termina com um espaço para eleitores assinarem.
Penna também apresentou uma denúncia ao Conselho de Ética da Alesp, que só deve analisar o caso em fevereiro, quando se encerra o recesso parlamentar iniciado na última quinta-feira. Aos jornalistas, ela afirmou que “se sente pequena e subjugada” pela demora da Alesp em tratar de um tema que, em sua visão, “deveria ter prioridade”. Até o início da tarde de sexta, o presidente da Alesp, deputado Cauê Macris (PSDB), não havia se manifestado.
— O minuto que se tirar a atenção disso, vai ser varrido para debaixo do tapete — afirmou a deputada, explicando porque o seu mandato decidiu fazer um manifesto público em forma de abaixo-assinado — A única chance de acontecer alguma coisa nesse caso é com a pressão das pessoas.
— Ao mesmo tempo, eu já tenho um coro grosso. Não é a primeira vez, nem a décima, que eu passo por uma situação como essa — contou a deputada, lembrando das situações que vivenciou enquanto assessora e vereadora suplente na Câmara Municipal de São Paulo.
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— Teve uma vez na Câmara Municipal que tiraram uma foto da minha bunda. Estava abaixada para pegar uma assinatura de um vereador, eu era assessora na época, aí fizeram a foto e espalharam pela Câmara — relembrou.
Ela ressalta ainda que, na própria Alesp, ela e as colegas de bancada, as deputadas Mônica Seixas e Erica Malunguinho, já foram assediadas diversas vezes: “não é um caso excepcional”, disse. A deputada afirmou, no entanto, que está comovida com a mobilização em torno do caso.
— Me emociona ver que as pessoas estão se importando. É como uma luz no fim do túnel.
Penna ressaltou que não irá “compactuar com uma política de linchamento” de Cury.
— O que eu quero é que o assédio pare. Esse caso deflagrou uma situação que as trabalhadoras vivem muito no ambiente de trabalho, que a gente vive muito no espaço público.
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A deputada criticou o que considera uma “falta de comprometimento” do governo do estado com o combate à violência contra as mulheres, lembrando que o governador João Doria (PSDB) vetou no final do ano passado um projeto proposto por ela e aprovado na Alesp que criava o “Dossiê Mulher Paulista”, um mapeamento periódico dos números de violência de gênero em SP.
— Informação é coisa básica para criar e implementar qualquer política pública — afirmou.
Para a deputada, que dedica sua atuação parlamentar à defesa dos direitos das mulheres, é preciso trabalhar em políticas de prevenção, pensando em campanhas e na educação:
— Só que quando a gente defende que é preciso falar sobre a Lei Maria da Penha e sobre a violência contra a mulher nas escolas, tem deputados que falam que a gente quer ensinar as crianças a serem gays. Eu já ouvi isso de deputado — lamentou a parlamentar.
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