Ingo Ostrovsky, 50emais
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“A mentira tem pernas curtas”. Eu devia ter uns 8 ou 9 anos na primeira vez que ouvi essa frase. Foi na escola. Um garoto foi pego numa daquelas mentiras de criança e tomou um sabão da professora. Fiquei intrigado. Como assim “pernas curtas”? Aonde a mentira pensa que vai?
Gosto de futebol mais ou menos desde aquela idade. Se já tínhamos Garrincha, o craque das pernas tortas eu dedicaria boa parte do meu tempo nas arquibancadas a procurar o craque das pernas curtas, um goleador que a torcida pudesse aplaudir. “Vai, Mentiroso, faz mais um prá gente ver”.
Esta semana, num evento com transmissão ao vivo, que acontece no Senado Federal, em Brasília, fomos apresentados a alguns craques de pernas curtas. Mentir pode parecer fácil, mas não é. Exige prática e habilidade. Como dizem os ingleses, a mentira não anda sozinha, ela precisa de pelo menos mais 20 mentiras para lhe fazer companhia. Sozinha, ela fica com cara de boba e deixa de cumprir seu principal objetivo: faltar com a verdade.
Não adianta você contar uma mentira se não tiver uma outra para apoiá-la. Os homens pegos com ‘baton na cueca’ sabem disso e suas mulheres também.
Nossos dicionários oferecem vários sinônimos para a palavra mentira; engano, fraude, falsidade, erro, ilusão. O mentiroso, sempre segundo os dicionários, é um ser enganador, um trapaceiro, comete uma impostura, tenta enganar contando uma mentira que pretende seja verdade. Mentir é contar uma ficção. Nossos brilhantes ficcionistas sabem que isso não é para qualquer um. Se bem que os mentirosos que se apresentaram esta semana estavam longe de ser “qualquer um”. Era gente de colarinho branco, mentirosos federais, gente de alto coturno.
A complexidade de mentiras e mentirosos é muito bem ilustrada pelo dicionário Aurélio. Ele cita o Paradoxo de Eubúlides de Mileto, do século IV antes de Cristo: “se alguém afirma “eu minto” e o que diz é verdade, a afirmação é falsa; e se o que diz é falso a afirmação é portanto verdadeira e, por isso, novamente falsa”. Viu, a coisa é realmente paradoxal e não é simples. O assunto é bem mais antigo do que a gente pensa. Na verdade, a mentira nasceu com o ser humano.
Qualquer pescador sabe contar uma mentira. Já existe a expressão Mentira de Pescador que é quase uma piada. Entrou no folclore nacional a ponto de pescador nenhum contar uma bravata sem mostrar a foto do pescado.
Mentir, de verdade, é para profissionais!
Para você não ficar achando que só existe mentira do mal, vou te contar uma mentirinha de verdade. Dois dos dicionários que consultei tem o verbete mentira-carioca, conhecida nas ruas como mentirinha. Adoro, com café. Os dicionários discordam quanto ao formato das mentirinhas. É um biscoitinho de polvilho redondo, menor do que uma moeda de R$1. O Houaiss diz que elas são em forma de bastão ou rosca. Eu conheço melhor a versão do Aurélio, redondinha e achatada, leve e crocante. Os garços do Senado estão liberados para servir potinhos de mentirinhas a Suas Excelências. Não é crime!
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