Ingo Ostrovsky, 50emais
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O Rio de Janeiro continua lindo. E frio!
Temperatura baixa no Rio é 15 graus. Pode rir. Com 15 graus as garotas de Ipanema tiram as botas do armário. Se pudessem, tirariam o vison do congelador, como fazem as Daianas de Chelsea, em Londres. Em Dezembro.
Mesmo assim, haja lã. E malhas. E moletons. E meias.
Saí de bicicleta, suportando o vento gelado que vinha do mar. Nunca vi tantos pés enfiados em meias, um ítem que faz pouco sucesso no verão carioca. A meia pagou inteira neste inverno, são muitas cores, bem mais do que as do onipresente arco-íris deste mês. Havia desenhos, emojis, forabolsonaros, #diversidade, tinha de tudo no rés do chão de pedras portuguesas da cidade.
O inverno vai bem no Rio de Janeiro.
Olhei o horizonte. O azul do céu de inverno do Rio de Janeiro é muito intenso. À beira-mar, então, é poderoso. As marés são mais cheias, a faixa de areia na praia é mais estreita. No Posto 6 em Copacabana mal dá para estender uma canga. Água do mar gelada, pouca gente mergulhando, alguns surfistas e os rebolantes do stand-up paddle. Para estes não tem tempo ruim. Almocei no Forte de Copacabana. Aquela vista, sem névoa, é simplesmente des-lum-bran-te! Programa impossível no verão, antes das 5 da tarde.
Parece que o inverno é o mundo da lua. Quatro da tarde tá ela lá, exuberante.
Desde maio que o céu me parece mais aberto, sem névoa. As montanhas crescem, ficam mais ‘perto’, é esticar o braço e tocá-las. Olhando o oceano parece que ir a nado do Posto 9 às ilhas Cagarras é moleza. Las Cagarras son nuestras, como diriam os hermanos argentinos.
Até Niterói parece que fica bem mais perto do que os 14 km da ponte para quem frequenta o cantinho do frescobol na praia do Flamengo ou pratica na areia o grande esporte desta estação, o beach tenis.
O Jardim Botânico agora tem bicicletário no portão de trás. Fico com a impressão que as orquídeas preferem o vapor do verão. No bromeliário me convenci de que as bromélias gostam mesmo é de madrugadas frias e dias de sol mais ameno. O lago criado por Frei Leandro para as amazônicas Vitórias Régias recebe água mais fresca, que desce da floresta da Tijuca. Mal não faz! Acredite, eu estava sentado ao lado da Sumaúma preferida do maestro Tom Jobim quando um diligente segurança me fez sinal para colocar a máscara. Sabe-se lá o que os perdigotos acham do inverno!
Pensamentos que me ocorrem à sombra do Pão de Açúcar, no caminho do bem-te-vi, que os militares, donos da Praia Vermelha, chamam de pista Claudio Coutinho. Lembra dele? Era capitão do Exército e ficou conhecido como técnico da seleção na Copa da Argentina, em 1978, durante aquele inverno de conquistas que o futebol tupiniquim viveu entre 1970 e 1994.
O inverno da natureza é diferente do inverno das pessoas. Uma vez briguei com uma namorada, ficamos mais de um ano sem trocar uma palavra. Quando voltamos a nos ver ela se referia a esse período como “o inverno”. Será por quê?
Shakespeare dizia que tudo está bem quando acaba bem. Esta crônica não vai acabar bem. Voltei há pouco de uma caminhada noturna pela avenida Nossa Senhora de Copacabana. Lá encontrei o Rio – e o Brasil – que vai de mal a pior neste inverno. Vi gente maltrapilha, dormindo pelas calçadas, com fome, muita fome. Um retrato vivo do aumento recente da desigualdade, que já era enorme. Será inverno o que vivem os 14,5 milhões de desempregados? Será inverno pagar 48% a mais pelo arroz? R$ 115,00 por um botijão de gás? Será inverno quase 20 milhões de brasileiros não saberem se terão comida amanhã?
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